O Antagonista organiza e esmiuça atos e falas, a partir de provas, relatórios e depoimentos, além do baú do próprio portal
A cronologia abaixo (que poderá ser atualizada com novos elementos) não é uma análise de responsabilidade penal de Jair Bolsonaro, nem de qualquer outro dos 37 indiciados pela Polícia Federal no inquérito sobre a trama golpista.
Ela apenas organiza e esmiuça os fatos, a partir de provas, relatórios, depoimentos e cruzamento de dados, além do próprio baú de O Antagonista, limitando-se a considerações de ordem política e moral. (Desse modo, aprofunda e costura as análises feitas em vídeo, no Papo Antagonista: aqui, aqui e aqui.)
A pressa em defender ou repudiar a eventual prisão do presidente leva muita gente no debate público a ignorar os acontecimentos revelados pelas investigações policiais e jornalísticas.
Como o primeiro dever do jornalismo é expor o que aconteceu, O Antagonista cumpre seu dever, não sem antes lembrar o seguinte:
Bolsonaro teve caminhos constitucionais para conter abusos de ministros do Supremo Tribunal Federal. Em 2019, no entanto, sabotou a CPI da Lava Toga, que investigaria Dias Toffoli inclusive pela abertura do inquérito das fake news, a partir do qual Alexandre de Moraes se tornou uma espécie de relator-geral da República; e vetou o Projeto de Lei Nº 2121/19, que limitava o poder de decisões monocráticas proferidas por ministros do STF.
Ao culpar os tribunais superiores pela derrota eleitoral para Lula, o governo Bolsonaro, então, procurou alternativas e pressões não republicanas.
5 de julho de 2022
Jair Bolsonaro, em sua fala de abertura em reunião ministerial do governo, indica haver fraude na eleição presidencial de 2022 para que o candidato Lula seja o vencedor.
Ele chega a perguntar:
“Nós vamos esperar chegar [os anos de dois mil e] 23, 24, pa [sic] se fuder? Depois perguntar: por que que não tomei providência lá trás?”
Como costuma fazer quando fala algo mais comprometedor diante de muita gente, Bolsonaro ameniza parcialmente a fala em seguida, dizendo não se tratar de “dar tiro”, “tocar fogo aí”, “metralhar”; afinal, como ficará claro nesta cronologia, ele busca dar ares de legitimidade a uma eventual ação contrária ao resultado eleitoral, como se ela pudesse ser baseada em algum instituto jurídico existente.
“A Câmara deve votar hoje o… a PEC da Bondade, como é chamada, né? E não tem como, né, depois dessa PEC da Bondade, a gente… a gente não tá pensando nisso, manter 70% dos votos, ok? Mas a gente vai ter 49% dos votos, vou explicar por quê, né? E… Nós estamos vendo aqui a… não é toda a imprensa, uma outra TV e as mídias sociais sobre a delação do Marcos Valério. A questão da… da execução do Celso Daniel. Né? E… O envolvimento com o narcotráfico. E… Temos informações do General Carvajal lá da Venezuela que tá preso na Espanha. Ele… já fez a delação premiada dele lá. É… Por 10 anos abasteceu com o dinheiro do narcotráfico Lula da Silva, Cristina Kirchner, Evo Morales. Né? Essa turma toda que cês conhecem.
E… Eu tô… Eu tenho que ter bastante calma, tranquilidade, e vou entrar em detalhes com vocês daqui a pouco. É… Tem um vídeo aqui agora, até chegar o deputado aqui que me interessa ele vir conversar… Tá pronto o vídeo, Cid? Eu vou mostrar um vídeo aqui que esse Brasil é um país de 90% de cristão. Além disso, de narcotráfico, desvio, roubo etc., tem mais essa outra questão.
Fernandes manifesta o desejo de definir se o formato do governo subsequente – portanto imposto – seria o de junta militar, como em 1964.
“Daqui a pouco nós estamos nas vésperas do primeiro turno, e aí, com a própria pressão internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem menor.
A população vai começar a acreditar que ‘não, então tá tranquilo, o governo não tomou a medida mais radical, tá tranquilo…’ então acho que, realmente, nós precisamos ter um prazo para que isso aconteça e não, para que eles raciocinem que é importante avaliar essa possibilidade, mas principalmente, para que uma alternativa seja tomada, como o senhor mesmo disse, antes que aconteça. Porque no momento que acontecer, é 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar?”
“É um atraso de tudo o que se avançou no país? Porque isso vai acontecer. O país vai ser todo desarticulado.”
“Então, tem que ser antes. Tem que acontecer antes. Como nós queremos. Dentro de um estado de normalidade. Mas é muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país pensando assim, pra que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior da conturbação no ‘the day ater’, né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar.”
Virar a mesa, como até a Wikipédia define, é a atitude antidesportiva de quem, ao estar sendo derrotado num jogo de cartas ou de tabuleiro, mistura propositalmente as cartas ou peças, impedindo o seu prosseguimento. A aplicação do termo se estendeu a qualquer mudança súbita de regras, provocada por interesses circunstanciais ou casuísticos, buscando favorecer alguém em detrimento de outrem.
Heleno: “O segundo ponto, que precisa ficar bem claro, é que não tem VAR, não vai ter segunda chamada da eleição. Não vai ter revisão do VAR, então o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições.
Bolsonaro perde o segundo turno da eleição presidencial para Lula.
1 de novembro de 2022
Mario Fernandes pede ao coronel Roberto Raimundo Criscuoli o contato do delegado Victor César Carvalho dos Santos, à época superintendente da PF do DF.
O interesse de Fernandes é que chegue a Victor uma certa denúncia considerada “importante”.
“O ministro da justiça [sic]”, à época Anderson Torres, “já me garantiu que ele mesmo vai assumir esse caso aí pra investigar, porque realmente parece que existe verdade no que o cara tá dizendo. Agora, a estratégia do presidente, que a gente vai conhecer agora no pronunciamento dele, é que vai…”
Criscuoli acha que, por enquanto, estrategicamente, Bolsonaro deve aceitar o resultado “para não se queimar, para não ser denunciado”, mas depois, com “o povo na rua” e “essas denúncias”, “tomar uma outra atitude”.
“Eu creio que o presidente deve se posicionar que aceita o resultado, pararí, parará e depois com as repercussões, tanto o povo na rua quanto essas denúncias, ele tomar uma outra atitude. Eu acho que é isso também, eu acho que é isso que ele tem que fazer. Quem sou eu para dizer isso, né, na fila do pão? Mas eu acho que o certo seria esse. Eu estou mobilizando o pessoal aqui, tranquilo, o pessoal me pergunta, eu digo, olha, minha opinião é essa. Então eu acho que ele deve partir para esse rumo, sim, é o que ele tem que fazer aqui, que eu acho. Para não se queimar, para não ser denunciado como… Ele tem que aceitar o resultado, ele tem que aceitar o resultado da urna. Enquanto a urna não for descredenciada, ele tem que aceitar. Eu concordo com isso. Não sei se é isso que ele vai fazer, espero que seja. Mas tranquilo, deixa que o meu pessoal eu vou controlando aqui. Esse pessoal que está aí, eu controlo daqui. Pode deixar que eu tenho uma boa ação sobre eles.”
Fernandes responde: “Ok, eu já recebi o retorno do meu representante que estava acompanhando lá. É exatamente isso aí. Eu já tenho algumas ações projetadas para amanhã. Te mantenho informado. Tá ok? Excelente, cara. Vamos ver como é que a gente vai evoluir.”
Baptista Jr., neste momento, “achou que o ambiente estava controlado, que não haveria qualquer tentativa de reverter o resultado das eleições”; mas foi chamado para mais reuniões nas semanas seguintes, como veremos adiante.
O coronel Roberto Raimundo Criscuoli se cansa de esperar e defende, em mensagem a Mario Fernandes, que os militares tomem a “rédea” agora, enquanto eles têm “uma justificava”, o “apoio maciço” do “povo”, para a “guerra civil”.
Para Criscuoli, vai ficar “feio” esperar “esse cara” – o presidente eleito, Lula – “destruir o Exército”, “destruir tudo”, para só então agir “por interesse próprio”, “aí não vale”.
Eis a primeira parte da mensagem:
“Mario, eu tava até conversando agora com o pessoal aqui, cara. Se nós não tomarmos a rédea agora, depois eu acho que vai ser pior. Na realidade vai ser guerra civil agora ou guerra civil depois. Só que a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço. Daqui a pouco nós vamos entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara vai destruir o exército, vai destruir tudo.
Cansado até de explicar a apoiadores civis que as providências ainda estão sendo tomadas, ele pede a Fernandes que fale com Bolsonaro que a hora de agir é essa.
“Ele vai destruir o nosso país, cara. O argentino já teve aqui com o chapéu na mão, vai esperar virar uma Venezuela pra virar o jogo, cara? Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata mais agora. Ah, não vou sair das quatro linhas. Acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas. O povo na rua tá pedindo, pelo amor de Deus. Vai dar uma guerra civil? Vai dar. Eu tenho certeza que vai dar. Porque os vermelhos vão vir feroz. Mas nós estamos esperando o quê? Dando tempo pra eles se organizarem melhor? Pra guerra ser pior? Irmão, vamos agora.
Ambos se mostram interessados na utilização da “live argentina” como uma forma de alegar fraudes nas eleições.
Na live, exibida no YouTube na tarde do próprio dia 4, o ativista argentino Fernando Cerimedo – amigo de Eduardo Bolsonaro que já havia apoiado o pai do deputado federal em 2018 – disse ter recebido um relatório com suposta auditoria que aponta que cinco modelos de urnas eletrônicas usadas na eleição registraram mais votos para Lula do que para Bolsonaro. De acordo com sua narrativa, esses modelos mais antigos não foram submetidos aos testes de segurança dos modelos de urnas de 2020.
“Por fim, ressalta-se que todas as urnas são auditadas e elas são um hardware, ou seja, um aparelho. O que importa é o que roda dentro dela, ou seja, o programa, que ficou aberto por um ano para todas as entidades fiscalizadoras. O software da urna é único em todos os modelos, tendo sido divulgado, lacrado e assinado”, afirma o tribunal.
Mas o general Mario Fernandes e o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, o “Velame”, estão em busca de uma narrativa que sirva como “batom na cueca”, para justificar a virada de mesa.
Coronel Vieira de Abreu: “Força, Kid Preto! Essa apresentação do pessoal da Argentina, o nosso relatório do exército tem que estar no mínimo, no mínimo, alinhado com eles. Pra dar… veracidade ao nosso. Não pode estar… não pode estar dizendo que não tem nada. No mínimo tem que ser igual o dos caras pra… ser o tal do batom na cueca, se nada aparecer até lá.”
É exatamente isso. Essa porra é batom na cueca, como tu costuma dizer, porra. Força.”
Fernandes cita novamente a “live argentina” como prova de fraude eleitoral (“tá na cara que houve fraude, porra”) e pede ao ministro “uma forçada de barra com o alto comando” das Forças Armadas.
Eis a mensagem enviada a Ramos:
Segundo a PF, “aparentemente a mensagem não teve resposta” do general Ramos.
Já a conversa de Mario Fernandes com o coronel Reginaldo Vieira de Abreu continuou. A segunda parte dela contém uma das falas mais emblemáticas deste período histórico.
Coronel Vieira de Abreu: “Kid Preto, com o que nós temos, esses dois relatórios, se deixar na mão do General Vergara não vai sair nada. Nada. É… Tem que montar uma narrativa em cima disso tudo e botar pra fuder, Kid Preto. Não pode passar de domingo.
Tem que usar os adidos militares nas embaixadas para fazer propaganda e cooptar a população lá fora. A mídia internacional. Tem que usar o adido, não o embaixador.”
O coronel Reginaldo Vieira de Abreu encaminha um áudio para Mario Fernandes, repudiando o respeito às “quatro linhas”, jargão futebolístico usado por Bolsonaro para se referir a (ou posar de defensor de) uma atuação alegadamente dentro dos parâmetros da legalidade.
Eis a mensagem em que ele defende, também, uma primavera brasileira, nos moldes da árabe:
Incompetência nossa, é isso. Estamos igual o sapo, a história do sapo na água quente. Você coloca o sapo na água quente, ele não sente a temperatura da água mudar e vai se aumentando, aumentando, aumentando quando vê ele tá morto. É isso.
O general da reserva Eduardo Pazuello, eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, reúne-se com Bolsonaro para, segundo relatório posterior da PF baseado em relato de Mauro Cid, “dar sugestões e ideias de como ele poderia, de alguma forma, tocar o artigo 142“, então citado por bolsonaristas para defender um alegado poder moderador das Forças Armadas.
Mauro Cid envia um áudio ao então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, sobre a reunião de Bolsonaro com Pazuello no dia 7, entre outras visitas recebidas pelo então presidente.
Indagado pela PF sobre “quais providências tomou em relação às ações promovidas” por Pazuello “de tentar utilizar o art.142 da Constituição Federal como fundamento jurídico para uma ação militar, visando impedir a posse do governo eleito”, Freire Gomes responderia que, como o general já estava na reserva e eleito deputado, “entendeu que seria uma questão política, sem possibilidade de influenciar diretamente as Forças Armadas” e que “tal proposta não teria qualquer respaldo” delas.
Mario Fernandes, segundo a Polícia Federal, cria o “Planejamento – Punhal Verde e Amarelo” em arquivo Word.
O então secretário-executivo da Presidência imprime o planejamento e leva a versão impressa até o palácio do Alvorada, local de residência do então presidente Jair Bolsonaro.
O documento detalha planos de ação coletiva armada contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin, além de um quarto alvo não identificado.
- “1. Demandas de Rec Op” [Reconhecimento Operacional];
- “2. Demandas para a Prep” [Preparação] “e Condução da Ação”;
- “3. Demandas de Pes” [Pessoal]; e
- “4. Condições de Execução”.
Os três primeiros tópicos listam, entre outros subitens, locais de frequência e estadia de Moraes; efetivo, armas e equipamentos da segurança pessoal do ministro; estimativas de baixas resultantes da ação e de tempo de preparação e execução dela; além de efetivo, armas e equipamentos para a sua realização (incluindo coletes balísticos, celulares, munições, pistolas, fuzis, metralhadora, granadas, lança-granada, lança-rojão).
“– Os Rec [trabalhos de reconhecimento operacional] já estão em curso, com dificuldades relativas, principalmente, ao Comboio de Segurança do Alvo e os Protocolos de Segurança que o mesmo já vem adotando há algum tempo.”
- Outra possibilidade foi levantada para o cumprimento da Missão, buscando com elemento químico e/ou biológico, o envenenamento do Alvo, preferencialmente, durante um Evento Oficial Público. O nosso Rec também está levantando as condições para tal L Aç [Linha de Ação].”
Os itens seguintes tratam de Lula e Alckmin sob os codinomes Jeca e Joca, respectivamente, indicando também um plano de assassinato, já que cita “envenenamento” do presidente e aponta que a “neutralização” do vice “extinguiria a chapa vencedora”. Confunde apenas o atual partido de Alckmin, trocando PSB por PSDB, legenda em que ficou conhecido.
- Jeca (considerando a vulnerabilidade de seu atual estado de saúde e sua frequência a hospitais – Envenenamento ou uso de química / remédio que lhe cause um colapso orgânico, a sua neutralização abalaria toda a Chapa vencedora, colocando-a, dependendo da interpretação da Lei Eleitoral, ou da manobra conduzida pelos 3 Poderes, sob a tutela principal do PSDB);
- Joca (considerando a inviabilidade do 01 eleito, por questão saúde, a sua neutralização extinguiria a Chapa vencedora). Como reflexo da ação, não se espera grande comoção nacional.”
O último item do plano cita o quarto alvo, não identificado, como membro da esquerda radical.
“Juca (como Iminência Parda do 01 e das lideranças do futuro Gov, a sua neutralização desarticularia os Planos da Esquerda mais radical). Como reflexo da ação, não se espera grande comoção nacional.”
No mesmo dia 9, o Relatório de Fiscalização do Sistema eletrônico de Votação, elaborado pela equipe do Ministério da Defesa, com integrantes militares, fica pronto.
Baptista Jr. contaria que “foi aventada a possibilidade dos três Comandantes das Forças assinarem o ofício de encaminhamento”, mas que “os Comandantes declinaram de assinar o ofício, pois a participação das Forças Armadas era estritamente técnica”; e que “foi assim decidido para deixar claro que as considerações de nível político ficariam a cargo do Ministério da Defesa”.
10 de novembro de 2022
Mario Fernandes envia um áudio ao coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, membro da equipe de ajudância de ordens de Bolsonaro, comandada por Mauro Cid.
Fernandes relata sua atuação junto a outras pessoas para levantar informações contra o pleito eleitoral, a fim de “fazer chegar lá pro MD”, ou seja, o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Curiosamente, Fernandes confessa que está “aloprando”, mas não muda de comportamento: diz ter sugerido a Bolsonaro que coloque o general Walter Braga Netto novamente no comando do Ministério da Defesa (cargo que o vice da chapa derrotada havia ocupado em 2021 e parte de 2022), a fim de ter “um apoio mais efetivo”, já que Braga Netto “tá indignado”.
Eis o trecho final da mensagem:
“Tá, e olha só, eu aproveitei e te mandei aí acima uma mensagem que eu elaborei e mandei pro comandante do exército. Cara, eu tô aloprando por aqui. E eu queria que tu reforçasse também, pô, eu falei com o Cordeiro [Sergio Rocha Cordeiro, então assessor de Bolsonaro] ontem, falei com o presidente.
11 de novembro de 2022
Os comandantes das Forças Armadas divulgam a seguinte nota à imprensa em forma de carta:
Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.
Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: ‘Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais’.
Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo”.
No áudio, o então ajudante de ordens de Bolsonaro, distorcendo o conteúdo da carta, destaca a importância dela para manutenção e intensificação das manifestações contra o resultado das eleições presidenciais, inclusive pora deslocar essas manifestações para a Praça dos Três Poderes, especialmente para o STF e para o Congresso Nacional – um indicativo prévio dos atos que seriam concretizados em 8 de janeiro de 2023.
“Então, com a Carta das Forças Armadas, o pessoal elogiou muito, eles estão se sentindo seguro [sic] pra dar um passo à frente. Então, os organizadores dos movimentos vão canalizar todos os movimentos previstos (inaudível) o dia 15 como ápice, a partir de agora, lá pro Congresso, STF, Praça dos Três Poderes basicamente”.
Mauro Cid diz:
“Então, os caras vão colocar o nome deles é… à frente disso aí. E aí o medo deles é retaliação por parte do Alexandre Moraes. Então, no entendimento deles, essa carta significa que as forças armadas vão garantir a segurança deles. Manifestação pacífica é livre. Então, se eles forem lá e forem presos as Forças Armadas vão garantir a segurança deles”.
“INDAGADO se o Depoente se comprometeu a soltar ou proteger os manifestantes simpatizantes ao presidente JAIR BOLSONARO caso os mesmos fossem presos durante as manifestações, respondeu QUE não; QUE jamais teve contato com manifestantes; QUE nunca fez tal afirmação”, diria o relatório.
Uma reunião é realizada na residência do general Walter Braga Netto, vice de chapa à presidência com Bolsonaro em 2022.
Participam dela, também, o tenente-coronel Mauro Cid, o major Rafael de Oliveira e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima.
Segundo a PF, “o planejamento operacional para a atuação dos ‘kids pretos’ foi apresentado e aprovado” nesta reunião.
Bolsonaro entrega ao comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., em reunião no Palácio da Alvorada, a versão impressa do “estudo” do Instituto Voto Legal – IVL que embasaria o pedido do PL, partido do então presidente, no dia 22, para anulação dos votos.
O documento apresenta a narrativa disseminada pelo argentino Fernando Cerimedo na live do dia 4, mas seu conteúdo é logo refutado como um “sofisma”, ou seja, um raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa.
Questionado por apoiadores de Bolsonaro ao deixar o Palácio da Alvorada sobre rumores de que o então presidente teria sido atendido no Hospital das Forças Armadas de Brasília, Braga Netto responde:
“O presidente está bem. Inventaram história. O presidente está bem, recebendo gente e não tem problema nenhum. Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar para vocês. Tem que dar um tempo.”
Registros de geolocalização de Rafael de Oliveira e Hélio Ferreira Lima, dois dos
“kids pretos“, mostram ambos em localidades relacionadas a Moraes entre esses quatro dias.
“A análise dos dados armazenados nos dispositivos apreendidos na fase ostensiva da presente investigação, combinada com outros elementos de prova, indica que as atividades de monitoramento do ministro Alexandre de Moraes já ocorriam no mês de novembro de 2022″, diz o relatório da PF.
Bolsonaro, Mauro Cid e Rafael de Oliveira e Mauro Cid estão ao mesmo tempo no Palácio do Planalto, como indicaria o rastreamento de mensagens e celulares feito pela PF.
No mesmo dia e horário, Mario Fernandes também está no Palácio do Planalto e imprime o planejamento “Punhal Verde e Amarelo“, que prevê ações contra Moraes, Lula e Alckmin.
No dia 7, Bolsonaro se reúne com chefes das Forças Armadas na biblioteca do Palácio da Alvorada e apresenta uma minuta de decreto para consumar um golpe de Estado com ares de legitimidade, como depois se depreenderia do depoimento do então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Fomes, à PF. Além deles, participam da reunião o então comandante da Marinha, Almir Garnier, e o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
A PF mostraria uma minuta de decreto a Freire Gomes, que confirmaria ter sido o mesmo documento apresentado a ele no dia 7.
Segundo a minuta (que lista de modo genérico decisões do TSE e do STF consideradas “inconstitucionais” e deixa um espaço para “tratar de forma breve” de outras):
- “os ‘guardiões da Constituição’, os Ministros do (…) STF, também estão sujeitos ao ‘Princípio da Moralidade’, inclusive quando promovem o ativismo judicial”.
- “o desmedido ‘ativismo judicial’ e a aparente ‘legalidade’ (…) não podem servir de pretextos para a desvirtuação da ordem constitucional pelos Tribunais Superiores”.
- “são normas e decisões aparentemente constitucionais, mas inconstitucionais (…) que colocam em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e de defesa às liberdades em nosso país”.
- “Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato continuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”.
Ainda na reunião do dia 7, segundo Freire Gomes, Bolsonaro “informou ao depoente e aos presentes que o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos Comandantes”.
O então comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., não participa da reunião do dia 7, porque, como registraria a PF a partir de seu depoimento, “estava na cidade de Pirassununga/SP, na Academia da Força Aérea, proferindo aula para os cadetes”. Ele havia viajado às 8h30 da manhã e retornaria “para Brasília apenas no dia 12/12/2022”.
O brigadeiro confirmaria não só que Freire Gomes “também tentava convencer o então presidente a não utilizar os referidos institutos”, mas que, depois de Bolsonaro “aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de algum instituto previsto na Constituição (GLO ou Estado de Defesa ou Estado de Sítio)”, o então comandante do Exército “afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o Presidente”.
Segundo o comandante do Exército, “em outra reunião no Palácio da Alvorada, em data em que não se recorda”, Bolsonaro ainda “apresentou uma versão do Documento com a Decretação do Estado de Defesa e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para ‘apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral’”.
Depois desta outra reunião, Mauro Cid fala a Freire Gomes da edição feita por Bolsonaro: “Ele enxugou o decreto, né. Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é, resumido, né.”
8 de dezembro de 2022
As linhas telefônicas utilizadas no evento “Copa 2022″ são ativadas. O título, que também deu origem a um grupo no aplicativo de troca de mensagens “Signal”, é utilizado para se referir à ação planejada contra Moraes.
No dia 8, Mario Fernandes indica, em mensagem enviada a Mauro Cid, ter conversado pessoalmente com Jair Bolsonaro.
Os dados do controle de acesso encaminhados à PF confirmam que o general reformado, que tinha cargo na Secretaria-Geral da Presidência, esteve no Palácio da Alvorada no próprio dia 8, chegando às 17hs e saindo às 17h40min.
Fernandes avalia que, caso muito tempo seja esperado, o golpe pode restar frustrado, pois, a partir de 20 de dezembro, o Comando Militar seria “passado” para militares indicados pelo “eventual governo do presidiário”.
“Cid, boa noite. Meu amigo, antes de mais nada me desculpa estar te incomodando tanto no dia de hoje. Mas, porra, a gente não pode perder oportunidade. São duas coisas.
A primeira, durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades. E aí depois meditando aqui em casa, eu queria que, porra, de repente você passasse pra ele dois aspectos que eu levantei em relação a isso.
No final, Fernandes pede a Cid que leve o assunto a Bolsonaro, a fim de que o governo atue para segurar a PF, “notadamente”, segundo o relatório, “para evitar que eventuais ações do Poder Judiciário atinjam os manifestantes golpistas presentes no acampamento”.
“E Cid, o segundo ponto é o seguinte, eu estou tentando agir diretamente junto às forças, mas, pô, se tu pudesse pedir para o presidente ou para o gabinete do presidente atuar.
Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG.
Os caras não podem agir, é área militar, mas já andou havendo prisão realizada ali pela Polícia Federal.
Então isso seria importante, se o presidente pudesse dar um input ali para o Ministério da Justiça para segurar a PF ou para a Defesa alertar o CMP [Comando Militar do Planalto] e, porra, não deixa.
Cara, isso é um absurdo. Então, atento a isso, conversa com o presidente, cara.
Um grande abraço, força!“
Em resposta, Mauro Cid informa que levará a questão a Bolsonaro e que o então presidente está esperando para ver os apoios que tem.
Eis a mensagem completa:
“Não, pode deixar, general. Vou conversar com o presidente. O negócio é que ele tem essa personalidade às vezes. Ele espera, espera, espera, espera pra ver até onde vai, ver os apoios que tem. Só que às vezes o tempo tá curto, não dá pra esperar muito mais passar.
“Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão.”
O então comandante da Aeronáutica responde:
Em razão deste episódio, entre outros, Baptista Jr. relataria à PF “que as pressões para anuir a uma possível ruptura institucional não se limitaram às redes sociais”.
Ele também contaria ter relatado o episódio a Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e que o então ministro da Defesa disse “que foi abordado” pela deputada “de forma semelhante”.
Jair Bolsonaro rompe um silêncio de semanas desde a derrota eleitoral e fala a seus apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.
O então presidente mantém no ar a hipótese de ação coordenada com as Forças Armadas, justificando a demora com a explicação de que decisões que dependem de outros setores “são mais difíceis e devem ser trabalhadas”. A fala condiz com a avaliação feita por Mauro Cid na véspera, de que Bolsonaro está esperando “pra ver até onde vai, ver os apoios que tem”.
“Tenho certeza que, entre as minhas funções garantidas na Constituição, é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse, ao longo desses quatro anos, que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo. As Forças Armadas, tenho certeza, estão unidas. As Forças Armadas devem, assim como eu, lealdade ao nosso povo, respeito à Constituição, e são uns dos grandes responsáveis pela nossa liberdade.
“Obviamente, não estou aqui quebrando o silêncio. Estou falando algo que sempre disse a todos vocês. Alguns falam do meu silêncio. Há poucas semanas, se eu saísse aqui e desse bom dia, tudo seria deturpado, tudo seria distorcido. Todos nós sabemos o que aconteceu ao longo desses quatro anos, ao longo do período eleitoral e o que foi anunciado pelo TSE.
Mais adiante, o então presidente lembra a reunião ministerial em que apontou, referindo-se ao Judiciário, como era fácil o país virar uma ditadura. A fala seguinte de Bolsonaro coloca o destino nacional nas mãos do “povo”, uma definição vaga que parece incluir somente os seus apoiadores, já que ele substitui o termo por “vocês”, ao apontar quem decide para onde vão ele próprio, as Forças Armadas, a Câmara e o Senado. É como se a suposta vontade popular de ocasião, mesmo que expressa fora dos mecanismos constitucionais e eleitorais, tivesse maior poder que todas as instituições.
O general pede para que Cid transmita um texto para Bolsonaro, sobre como o pronunciamento reverberou entre os manifestantes, citando, como exemplo, Lucão, apelido de Lucas Rotilli Durlo, caminhoneiro que estava no QG do Exército, e um dos líderes do movimento.
“Força, Cid. Meu amigo, muito bacana o presidente ter ido lá à frente ali do Alvorada e ter se pronunciado, cara. Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento. Porra, deu a cara pro público dele, pra galera que confia, acredita nele até a morte. Foi muito bacana mesmo, cara. Todo mundo vibrando. Transmite isso pra ele.
No dia 10, Marcelo Câmara encaminha quatro mensagens para Mauro Cid, com informações detalhadas sobre a cerimônia de diplomação de Lula, a ser realizada dia 12, incluindo a rota que seria usada por Moraes.
Durante a cerimônia, ambos trocam mensagens.
13 de dezembro de 2022
O prefixo telefônico associado ao codinome “Gana” se dirige de Goiânia para Brasília.
14 de dezembro de 2022
Bolsonaro reúne, na sede do Ministério da Defesa, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira e os três então comandantes das Forças Armadas.
O comandante do Exército reforçaria que, “da mesma forma”, ele e o Brigadeiro Baptista Jr. “se posicionaram contrários às medidas constantes na minuta do decreto, que impediria a posse do governo eleito”; e que o almirante Almir Garnier “não se manifestou sobre o conteúdo”.
O comandante do Exército confirmaria que essa minuta foi apresentada a ele, em reuniões ocorridas depois daquela do dia 7.
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições que lhe conferem os artigos 84, inciso IX, 136, 140 e 141 da Constituição, DECRETA:
Art. 1° Fica decretado, com fundamento nos arts. 136, 140, 141 e 84, inciso X, da Constituição Federal, o Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, Distrito Federal, com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social.”
“Art. 5° A Comissão de Regularidade Eleitoral será composta por:
1- 08 (oito) membros do Ministério da Defesa, incluindo a Presidência;
III – 02 (dois) membros da Polícia Federal, ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal;
IV – 01 (um) membro do Senado Federal;
V – 01 (um) membro da Câmara dos Deputados;
VI – 01 (um) membro do Tribunal de Contas da União;
VII – 01 (um) membro da Advocacia Gerai da União; e
VIII – 01 (um) membro da Controladoria Geral da União.”
Freire Gomes ainda diria à PF que “nas reuniões eram expostas as interpretações do jurista IVES GANDRA MARTINS de utilização das Forças Armadas como Poder Moderador, com base no art. 142 da Constituição Federal”; e que “expôs que não havia possibilidade de utilização do referido art. 142 da CF para emprego das Forças Armadas como um Poder Moderador”.
No mesmo dia 14, o general Walter Braga Netto, vice na chapa presidencial derrotada, e o capitão reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros, eleito em 2022 deputado estadual suplente do Rio de Janeiro dizendo-se “o 01 do Bolsonaro”, “passam a realizar ataques” ao então comandante do Exército “por uma suposta postura de ‘Omissão’ e ‘Indecisão’”. Fazem isso em diálogos depois identificados pela PF no telefone celular de Ailton.
Ailton completa: “Se FG tiver fora mesmo. Será devidamente implodido e conhecerá o inferno astral”.
Braga Netto também encaminha a Ailton uma foto da frente da casa de Freire Gomes com manifestantes pressionando pela anuência dele.
“INDAGADO se chegou a enfrentar manifestações em frente à sua residência/condomínio no dia 14.12.2022 ou em outras datas, pelo fato de se negar a anuir com a proposta de Golpe de Estado, respondeu QUE sempre havia manifestações em frente à residência do depoente”, mas que “infelizmente só tomou conhecimento” da atuação de Braga Netto “com a divulgação da investigação”, diz o relatório.
Diria também que, quando “o então Ministro da Defesa, PAULO SERGIO DE OLIVEIRA, disse aos Comandantes que teria uma minuta, que gostaria de apresentar aos Comandantes para conhecimento e revisão”, ele “questionou o Ministro da seguinte forma”:
Baptista Jr. relataria ainda “QUE PAULO SERGIO DE OLIVEIRA ficou calado; QUE o depoente entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito; QUE, diante disso, o depoente disse ao Ministro da Defesa que não admitiria sequer receber esse documento; QUE a Força Aérea não admitiria tal hipótese (Golpe de Estado); QUE o General FREIRE GOMES expressou que também não concordaria com a possibilidade de analisar o conteúdo da minuta; QUE o depoente, em seguida, retirou-se da sala; QUE a minuta estava sobre a mesa do Ministro da Defesa PAULO SERGIO DE OLIVEIRA”.
E também: “QUE o Almirante GARNIER não expressou qualquer reação contrária ao conteúdo da minuta, enquanto o depoente esteve na sala; QUE após tal fato, o depoente começou a receber ataques por meio das redes sociais, recebendo o rótulo de ‘melancia’, ‘traidor da pátria’ etc.; QUE após as eleições de 2022 começou a receber ataques do comentarista PAULO FIGUEIREDO nas redes sociais, dentre outros”.
Integrantes do grupo “Copa 2022” se posicionam em pontos estratégicos de Brasília, incluindo a região próxima à casa de Moraes, monitorando sua movimentação em tempo real.
As mensagens trocadas entre eles, segundo a PF, “demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o Ministro ALEXANDRE DE MORAES”.
Minutos após a notícia ser compartilhada no grupo de planejamento da ação, o grupo se desmobiliza e inicia a “exfiltração”, jargão do Exército para a técnica de retirar forças de modo sigiloso do território inimigo.
“Mas todos nós queremos líderes justos, líderes coerentes. Nós não queremos líderes frouxos, não queremos líderes bonzinhos, não queremos líderes tiranos. Nem sempre conseguimos fazer tudo o que queremos. Muitas vezes queremos navegar em direção ao porto seguro em linha reta, mas a tempestade nos impede e nós temos que navegar de acordo com o que aprendemos a navegar para contornar furacões, a fim de não perder o nosso barco, de não colocar em risco nossa tripulação. Mas saibam, senhores, que a manobra de tempestade guinará novamente o barco em direção ao porto seguro que queremos e lá chegaremos. Pode demorar um pouco mais, mas chegaremos”, diz Almir Garnier.
“Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado na mordomia. Negociando favores. Dai [sic] para frente. Inferniza a vida dele e da família.”
O general também orienta o destinatário a elogiar Almir Garnier.
Considerando que o diálogo ocorre no dia 15, após a reunião do dia 7, no Palácio do Alvorada, e após a reunião do dia 14, no Ministério da Defesa, a PF indagaria a Baptista Jr. se a determinação de Braga Netto se deve aos posicionamentos (diferentes) dos então comandantes da Aeronáutica e da Marinha no contexto de tentativa de golpe de Estado.
Confirmaria também que ele e sua família sofreram diversos ataques, pressões e hostilidades de apoiadores de Bolsonaro visando mudar sua opinião sobre o tema, como veremos adiante, no tópico do dia 29.
16 de dezembro de 2022
Carlos Baptista Jr. deixa Augusto Heleno “atônito” ao solicitar que o general reafirme a Bolsonaro que ele não anuirá com qualquer movimento de ruptura democrática.
Após a conclusão da cerimônia, Heleno indaga ao comandante da Aeronáutica se poderia disponibilizar uma vaga no avião de apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), pois o então chefe do GSI foi acionado por Bolsonaro para reunião de urgência no dia 17 (sábado), em Brasilia/DF.
Diante da conjuntura, Baptista Jr. estranha o fato de a reunião ocorrer no fim de semana e com urgência, então chama Heleno para uma sala reservada nas instalações do ITA, onde então afirma “de forma categórica” ao general que a FAB não anuirá “com qualquer movimento de ruptura democrática”.
Baptista Jr. relataria à PF que “Heleno ficou atônito e desconversou sobre o assunto”; que, pilotando a aeronave, levou o general no mesmo dia 16 de volta para Brasília/DF; e “que não tocou mais no assunto” com ele.
Em postagem no X, Ailton Gonçalves Moraes Barros acusa militares como Freire Gomes de “omissos, covardes e fracos“.
Ele marca um perfil com nome semelhante, mas que Freire Gomes diria à PF não ser dele.
Na publicação, marca também Bolsonaro e outros blogueiros que aderiram ao bolsonarismo, como Paulo Figueiredo.
O filho de Baptista Jr. publica um tuíte em homenagem ao pai, pois seria seu último dia como comandante da Força Aérea Brasileira.
O pai responde ao filho, mas é “hostilizado por usuários da rede social no sentido de que o depoente tivesse traído o povo brasileiro por não ter aderido à tentativa de golpe de Estado”, como registraria a PF sobre seu depoimento.
“O POVO BRASILEIRO, de 210 milhões de pessoas, nos quais eu e minha família estamos incluídos? Continuaremos trabalhando, aprendendo com nossos erros e acertos e evoluindo social e politicamente, com base nos princípios democráticos: liberdade e respeito à opinião da maioria.”
Baptista Jr. relataria que, até o dia 30 de dezembro, “continuou recebendo ataques e pedidos pelas redes sociais para que a FAB anuísse com a ruptura democrática”.
Freire Gomes vai “até o Palácio do Alvorada para entregar ao então Presidente JAIR BOLSONARO/O convite de passagem de comando”, como relataria à PF.
“QUE foi acompanhado dos Generais THEÓPHILO e NEGRAES, que estavam disponíveis no momento; QUE praticou tal ato para prestigiar as autoridades que nomearam o depoente e propiciar ao novo Comandante do Exército e ao novo Ministro da Defesa que tomassem as medidas que entendessem pertinentes em relação à posse do novo Presidente da República; QUE tal ato caracterizou a transição institucional dentro dos preceitos legais; QUE foi a ultima vez que teve contato com o então Presidente da República JAIR BOLSONARO”, diz o relatório.
“São 30 de dezembro, está prevista a posse em 1° de janeiro. Eu busquei dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeitando a Constituição, uma saída para isso aí, se tinha uma alternativa para isso, se a gente podia questionar alguma coisa ou não questionar alguma coisa, tudo dentro das quatro linhas.
Com suas falas inconsequentes ou ambíguas, com suas omissões diante do reacionarismo aloprado em seu entorno e com suas ações em “pétit comité” nos bastidores, Bolsonaro alimentou a “Rataria”, inclusive a do vice de sua chapa, até sentir que poderia ser preso por Freire Gomes caso levasse o plano adiante.
Entre a ameaça de ser preso imediatamente pelo Exército e a hipótese de ser preso no futuro pelo STF, preferiu a segunda opção e decidiu buscar refúgio nos Estados Unidos em seus primeiros meses sem foro privilegiado, por temor de que a eventual prisão fosse antecipada.
A PF ainda identificaria em notebook de Mauro Cid um plano de fuga de 2021 e afirmaria que, “apesar de não empregado” naquele ano, ele “foi adaptado e utilizado no final do ano de 2022”, em referência à viagem de Bolsonaro para Orlando, “quando a organização criminosa não obteve êxito na consumação do golpe”.
Uma horda de ativistas frustrados com a não adesão das Forças Armadas a um golpe de Estado invade os prédios dos Três Poderes e depreda patrimônios públicos.
Esses são os fatos.
A discussão jurídica sobre a responsabilidade penal de cada um dos 37 indiciados, inclusive de Bolsonaro, é tema para outros artigos.
Por Felipe Moura bRasil – O ANTAGONISTA