Quando uma democracia morre quem escreve o atestado de óbito?

Quando uma democracia morre quem escreve o atestado de óbito? Às vezes a democracia é atacada por um agressor externo. Outras vezes ela é atacada por dentro. Isso acontece, por exemplo, quando aqueles encarregados de zelar pelo Estado de Direito permitem, por ação ou omissão, que ele seja destruído. Estado de Direito significa, antes de tudo, o império da lei – mas flexibilizar a aplicação da lei para eliminar adversários políticos não é uma estratégia nova. Ela foi usada recentemente nos Estados Unidos, onde Donald Trump foi alvo de uma guerra jurídica – lawfare – sem paralelo na história da república americana. Agora é a vez do Brasil, onde o alvo é o maior fenômeno de popularidade da história recente: Jair Bolsonaro. O objetivo parece claro: retirá-lo do jogo eleitoral e, talvez, da vida pública.

É possível dizer que existem dois Jair Bolsonaro. O primeiro é a pessoa física: um homem que pode ser preso e mantido em uma cela, sem contato com a população que o elegeu presidente. O segundo Jair Bolsonaro é o político que representa as ideias, os valores e as aspirações de milhões de cidadãos – esse segundo Jair é um símbolo. Um símbolo poderoso só pode ser destruído por outro ainda maior.

“É preciso lembrar mais uma vez: o político Jair Bolsonaro representa a insatisfação de milhões de pessoas com um Estado que elas consideram ineficiente, esbanjador e corrupto”

Dias antes da recepção da denúncia contra Bolsonaro, um grande jornal publicou uma matéria na qual uma jornalista levantava a possibilidade de que ele fugisse do país. A autora do texto afirmava ter conversado com alguns dos ministros – o termo certo é juízes – que serão responsáveis pelo julgamento do ex-presidente. Na matéria, é possível encontrar a seguinte declaração: “Esses ministros não descartam essa hipótese [de fuga], diante da inevitável condenação pela tentativa de golpe de Estado”.

Foi isso mesmo que a jornalista escreveu: “inevitável condenação”. Vale refletir um momento sobre o que está sendo dito na matéria do grande jornal: a jornalista nos informa que ouviu dos juízes encarregados do julgamento que a condenação de Jair Bolsonaro é um fato consumado.

Então, caro leitor, precisamos fazer um exercício de imaginação moral. Imagine que você está sendo acusado de um crime que você afirma que não cometeu. Imagine que ninguém conseguiu, até agora, produzir qualquer evidência de que você cometeu aquele crime – e mesmo assim você será julgado. Imagine agora que você fica sabendo, através de uma matéria publicada por um grande veículo de imprensa – matéria assinada por uma jornalista conhecida como interlocutora do alto escalão do poder – que os juízes que o julgarão afirmam que você será condenado. Imagine tudo isso e responda: o que você faria?

É preciso lembrar mais uma vez: o político Jair Bolsonaro representa a insatisfação de milhões de pessoas com um Estado que elas consideram ineficiente, esbanjador e corrupto. Uma ministra do atual governo federal disse, há poucos dias, que Jair Bolsonaro é uma “carta fora do baralho” porque “a sociedade está cansada da polarização”. É uma afirmação equivocada. A sociedade está cansada sim, mas do crime sem controle que nos ameaça todos os dias. Ela está cansada de sustentar um Estado perdulário e debochado, que usa dinheiro de impostos para presentear amigos com gravatas e lenços.

A sociedade está cansada do ódio do bem, da censura do bem e do racismo do bem, que jogam brasileiros uns contra os outros, demonizam a prosperidade de quem trabalhou duro e promovem ressentimento como política pública. A sociedade está cansada de ver criminosos em liberdade enquanto cidadãos de bem são acusados de crimes impossíveis. Os políticos que promovem e aplaudem tudo isso é que são cartas fora do baralho – embora, talvez, ainda não tenham percebido.

A história do Brasil é feita de ciclos que se repetem de forma quase idêntica. O uso da máquina do Estado para esmagar adversários é estratégia clássica. A única novidade está na forma: desta vez é a implosão do Direito. Destruídas as garantias que ele oferece, o que restará? Para conhecer a resposta basta abrir um livro de história.

A prisão de Jair Bolsonaro não afeta as ideias que ele representa. Acreditar nisso é cometer erro grosseiro – um erro frequente na história brasileira. O julgamento de Jair Bolsonaro deixa no ar o odor de uma decisão previamente combinada. É um equívoco político camuflado com uma toga.

Por Roberto Motta – Foto: Reprodução/Youtube/ Pastor Silas Malafaia – Gazeta do Povo

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