Por Alexandre Garcia – Gazeta do Povo
Nunca imaginei que veria uma coisa dessas: o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teve de ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedir para os advogados conhecerem a íntegra da acusação contra seus clientes. Saber de que eles são acusados, quais são as provas da acusação. Mas foi o que aconteceu: o presidente da OAB foi pedir ao relator do “inquérito do Fim do Mundo” – como batizou o ministro Marco Aurélio – que os advogados saibam do que seus clientes são acusados, e quais são as provas contra eles.
E para muita gente vai ser muito difícil o STF entregar algo substancial. Para a Débora Rodrigues, por exemplo, a prova foi a foto dela pintando a estátua na frente do STF com um batom – um crime “gravíssimo”, que dá 14 anos de prisão. O crime da moça do Maranhão, que ficou presa por quase dois anos, foi estar com lápis e papel fazendo anotações para uma tese de Psicologia sobre manifestações do povo. E, assim como esses, tem vários outros casos.
Existe prova para incriminar quem jogou o relógio no chão, todos viram. Alguns se filmaram quebrando cadeiras, fazendo sujeira, mas, para uma maioria, certamente não há comprovação de nada, e os advogados estão desesperados. E ainda há aquela história de a defesa gravar um vídeo e mandar. O advogado grava uma defesa de 25 minutos, mas já tem uma resposta cinco minutos depois de ter colocado o vídeo no sistema do STF. É o milagre de leitura potencializada em velocidade. O que isso mostra? Que o direito de ampla defesa, previsto no artigo 5.º da Constituição, que é cláusula pétrea, não está sendo obedecido – e nem o processo legal, e nem o direito ao contraditório.
Congresso acovardado por causa da anistia
Outra parte da Constituição que não está sendo respeitada é o inciso XI do artigo 49, que diz que é da competência do Congresso Nacional “zelar pela preservação da sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros poderes”. Mas o Supremo está legislando, e os legisladores nada fazem. Agora, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que é preciso ter muito cuidado com esse projeto de anistia para não agravar a crise entre poderes. Mas o poder ofendido é o mais importante dos poderes, é o mais poderoso deles, porque representa diretamente a origem do poder, que é o povo. Todos lá receberam uma procuração para exercer o poder em nome do povo – uma procuração chamada voto.
Por que o Congresso, os deputados e senadores, se encolhem tanto? Alguns acham que a razão está em uma coisa errada: o fato de o Supremo julgar deputados e senadores. Aqueles que têm contas a pagar na Justiça ficam na mão do STF, que não julga, deixa o processo na gaveta esperando; se o sujeito não se comporta bem, aí, sim, pegam a ação para julgar. Essa é uma espada de Dâmocles pesando sobre a cabeça dos congressistas.
Essas coisas deveriam mudar. Juiz do Supremo tem de ser escolhido entre juízes de carreira. Porque a natureza do juiz de carreira é ser isento, neutro, ser o fiel da balança, ouvir os dois lados, aplicar a lei e a justiça, usar sensatez, compaixão, humanidade, e julgar. Esse é o ideal salomônico de um juiz. Já o advogado defende uma causa, essa é a sua natureza. Já o integrante do Ministério Público está lá pra defender a lei e acusar alguém, para botar a pessoa na cadeia, ou então descobrir que esse alguém é inocente e mandar arquivar a ação. Mas o Supremo tem hoje mais advogados e promotores públicos que juízes de carreira. Aí está a origem da politização, da defesa de causas.