“Herança maldita” era uma das frases favoritas de Lula em sua primeira passagem pelo Palácio do Planalto, para se referir ao país que recebera de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Era mentira, obviamente: apesar dos percalços, em 2003 o tucano entregara ao petista um país em que a hiperinflação havia se tornado coisa do passado, e que tinha uma Lei de Responsabilidade Fiscal e um tripé macroeconômico destinado a perpetuar as conquistas do Plano Real. Agora que está de volta ao governo, Lula voltou a usar a expressão para culpar a gestão de Jair Bolsonaro por todos os problemas atuais. Na verdade, “herança maldita” foi o que o petismo deixou em 2016, na forma da pior recessão da história do país – e é o que Lula entregará a seu sucessor (ou a si mesmo, caso concorra e vença no ano que vem) em 2027.
Ao fim de 2026, o Brasil será um país com contas públicas gravemente desequilibradas e crescimento acelerado da dívida. A Dívida Bruta do Governo Geral já subiu 4,5 pontos porcentuais desde que Lula iniciou seu terceiro mandato, chegando a 75,9% do PIB. O indicador já está acima da média de países emergentes e da América Latina, mas deve subir ainda mais. Levantamento do Banco Central com instituições financeiras aponta para uma dívida de 94% do PIB em 2034; a Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, estima que a dívida subirá para 84% do PIB até 2026, 90% entre 2028 e 2029, e ficará na casa dos 95% no início da próxima década. Nas contas do FMI, que usa uma metodologia diferente por incluir na conta os títulos do Tesouro em poder do Banco Central, a dívida brasileira chegará perto de 100% do PIB ainda nesta década.
O resultado de políticas irresponsáveis não poderia ser outro, a não ser a combinação mortal de inflação e juros altos, que prejudica especialmente os mais pobres
Enquanto isso, o governo segue incapaz de controlar seus gastos. O arcabouço fiscal proposto pelo próprio PT para substituir o teto de gastos implantado em 2016 já nasceu frouxo, e foi desmoralizado antes de completar seu primeiro ano de vigência, com mudanças nas metas de resultado primário. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, já afirmou que o ajuste fiscal ficará para o próximo mandato presidencial. Ainda que parte das dificuldades se deva ao engessamento do Orçamento da União, algo que não foi produzido pelo PT, é inegável que Lula piora o problema ao insistir no gasto sem fim do governo como meio de manter a economia artificialmente aquecida.
O resultado de políticas irresponsáveis não poderia ser outro, a não ser a combinação mortal de inflação, resultado da desvalorização da moeda causada pela sandice fiscal, e juros altos, que são a reação do Banco Central para frear o processo inflacionário, já que o governo não faz sua parte. Essa dupla prejudica especialmente a população mais pobre, aquela que o petismo diz defender. Enquanto os mais ricos têm recursos e informação para se proteger da inflação, inclusive usando os juros altos a seu favor, aos pobres só resta ver seu poder de compra sendo corroído, as linhas de crédito tornando-se cada vez mais caras e escassas, e o endividamento subindo. Diante desse cenário, a única resposta que o governo sabe dar é estimular ainda mais a demanda, o que só serve para alimentar a espiral de inflação e juros.
Em 2014, os sinais da recessão futura já estavam disponíveis para quem quisesse vê-los, mas Dilma Rousseff conseguiu segurar artificialmente alguns indicadores e garantiu a reeleição – só depois a inflação, os juros e o desemprego dispararam, enquanto o PIB afundava. Agora, os juros já estão altos e o país vem colecionando déficits primários desde o início de Lula 3, mas o petista tentará a todo custo fazer a população crer que a economia vai bem, para conseguir mais quatro anos no Planalto. A irresponsabilidade fiscal que caracteriza este governo, no entanto, nos dá a certeza de que a crise já está contratada; só resta saber quando ela explodirá.
Gazeta do Povo