Tom eleitoreiro em falas de Lula pode render multas por campanha antecipada para 2026

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem proferindo em seus discursos e atos públicos declarações em tom eleitoral que podem render a ele multas por campanha antecipada à reeleição, segundo analistas e lideranças da oposição. Há pelo menos duas denúncias já formalizadas à Procuradoria-Geral da República (PGR). A Gazeta do Povo listou outros casos de falas de Lula sobre as eleições que podem gerar debate sobre possível propaganda antecipada.

Lula já vinha falando sobre eleições de forma hipotética e deixou escapar frases em alusão à sua candidatura à reeleição em 2026, mas na última quinta-feira (23) ele foi direto e disse: “Eu vou completar 80 anos, mas pode ter certeza que eu tô com a mesma energia de quando eu tinha 30 anos de idade. Eu vou disputar um quarto mandato no Brasil”. A fala ocorreu na viagem do petista à Indonésia, durante um pronunciamento ao lado do presidente Prabowo Subianto.

Afirmar que será candidato não é um ato irregular do presidente, segundo a lei eleitoral. Mas qualquer manifestação pública que vá além disso ou da exaltação de suas qualidades pessoais antes de 15 de agosto de 2026 pode ser considerada propaganda antecipada.

Quem decide se a fala excedeu os limites é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a partir de denúncia da Procuradoria-Geral da República, que precisa ser acionada para casos específicos. As denúncias passam então a tramitar. Se for comprovado o uso da máquina pública ou o caráter eleitoral da ação, há aplicação de multa de R$ 5 mil a R$ 25 mil.

O fato pode ser usado por opositores para tentar enfraquecer o presidente, mas, na prática, ele não corre o risco de não poder se candidatar.

Para o cientista político Gustavo Alves, Lula deu sinais de que anteciparia sua campanha algumas vezes desde o início de 2025. Em uma reunião ministerial em janeiro, Lula acusou a oposição de já ter iniciado a campanha para 2026 e disse que o “governo não iria se antecipar, priorizando as entregas para o povo daquilo que ele precisa”. “Só que, desde então, Lula não desceu mais do palanque”, afirma Alves.

A Lei 9.504/1997, em seu artigo 36-A, permite que pré-candidatos concedam entrevistas, participem de debates e divulguem ações políticas — desde que não façam pedido de voto ou promovam ações veladas com cunho eleitoral.

“O limite entre a pré-campanha lícita e a propaganda irregular é definido pela intenção e pelo conteúdo do discurso, sendo o pedido de voto, ainda que disfarçado, o principal indicativo de irregularidade”, alerta o advogado Luciano Katarinhuk, especialista em Direito Eleitoral.

Katarinhuk afirma que a jurisprudência, a partir da interpretação dos tribunais, frequentemente define se um ato “velado” constitui propaganda antecipada ao determinar se houve, na essência de um discurso ou de uma propaganda, um pedido implícito, disfarçado ou subliminar de voto, extrapolando os limites.

O advogado alerta que a Justiça Eleitoral pode considerar campanha velada atos que revelem intenção de influenciar o eleitorado. “Isso inclui a divulgação de obras e programas públicos assistenciais com forte apelo eleitoral, o uso de slogans de campanha, ou a promoção pessoal em eventos oficiais”, alerta. Nesses casos, se comprovado o uso da máquina pública ou o caráter eleitoral da ação, há aplicação de multa.

“A interpretação da Justiça é essencial para distinguir entre o legítimo exercício da comunicação política e o início antecipado de uma corrida eleitoral disfarçada, mas a Justiça precisa ser provocada, ou seja, as denúncias que caracterizam esses atos precisam ser formalizadas”, segue.

Para analistas, o fato de Lula mencionar a campanha ou sua possível candidatura, por reiteradas vezes, e estimular a autopromoção do seu governo com a participação de atos para liberar recursos ou anunciar programas assistenciais, já pode ser caracterizado como propaganda eleitoral antecipada, fomentada pelo uso da máquina pública. “Então, por mais que sejam mascarados como “atos de governo”, a forma como Lula está conduzindo essas falas, suas viagens, são fatores expressos de campanha à reeleição”, avalia o constitucionalista André Marsiglia.

Situações em que Lula mencionou publicamente as eleições de 2026

  1. “Eu não posso definir a chapa de 2026. Eu tenho apenas uma ideia [de quem será o vice], não há um prazo fixo”. Março de 2025, em entrevista a emissoras de rádio durante viagem oficial em Minas Gerais. Sua viagem ao estado naquela ocasião esteve relacionada ao programa “Terra da Gente”, quando foram anunciadas ações de reforma agrária, como a entrega de lotes e investimentos em crédito e programas de educação, além de recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e medidas para renegociação de dívidas de assentados.
  2. “Este país terá, pela primeira vez, um presidente eleito quatro vezes”. Julho de 2025 durante o evento de anúncio de novos investimentos da Petrobras, realizado na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A cerimônia marcou o início de um plano de retomada das ações em refino e petroquímica no estado, com aportes superiores a R$ 33 bilhões. Lula afirmou ainda que os projetos devem criar mais de 38 mil empregos diretos e indiretos, além de ampliar a eficiência operacional, incentivar a produção de combustíveis renováveis e impulsionar o desenvolvimento econômico e social da região.
  3. “Ano que vem tem eleição… se eu estiver com a saúde que estou hoje, eu serei candidato outra vez para ser eleito para o quarto mandato”. Julho de 2025, em discurso no interior do Ceará, durante anúncio de R$ 1,4 bilhão às obras da Ferrovia Transnordestina. Na ocasião, ele também disse que vai para a nova disputa se estiver bem, para “não entregar” o Brasil para um “bando de malucos” que governava o país, ao se referir à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
  4. “Serei candidato para ganhar as eleições”. Agosto de 2025, no 17º Encontro Nacional do PT, em Brasília. A fala foi proferida ao defender que o país precisa manter o que chamou de “reconstrução nacional com base na soberania” e pediu unidade no PT. “Nós precisamos agora fazer uma eleição de 2026 e eleger uma maioria de senadores”, completou o presidente.
  5. “Se eu for candidato [em 2026], eu não vou disputar, eu vou ser candidato pra ganhar as eleições”. Setembro de 2025, em entrevista durante viagem à Bahia, onde participou de eventos relacionados ao lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com foco da viagem no lançamento do PAC Encostas, um novo programa do governo federal voltado para obras de prevenção de desastres naturais.
  6. “Eu não vou implorar para nenhum partido estar comigo, vai estar comigo quem quiser estar comigo. Não sou daqueles que ficam tentando comprar deputado. Vai ficar comigo quem quiser, quem quiser ir para o outro lado, que vá, e que tenha sorte porque nós temos certeza de uma coisa: a extrema direita não voltará a governar esse país”. Outubro de 2025 em entrevista à TV Mirante, no Maranhão. Sua agenda no estado previa a entrega de 2.837 moradias do programa Minha Casa, Minha Vida a famílias de baixa renda de Imperatriz.

Além dessas declarações, pouco após a divulgação de uma pesquisa Quaest no dia 9 de outubro, Lula falou, mais uma vez, indicando sua candidatura. “Porque tenho certeza que os nossos possíveis adversários devem estar muito mais preocupados do que eu. Eles sabem que será muito difícil derrotar a gente numa eleição”.

Ele estava no estado para um evento de inauguração da fábrica da chinesa BYD, em Camaçari (BA), região metropolitana de Salvador. Na ocasião ele também visitou a retomada das obras no Estaleiro do Paraguaçu, em Maragogipe (BA).

No último mês, o presidente Lula passou a organizar uma série de viagens e inaugurações para o início de 2026, período que antecede sua possível candidatura à reeleição. O Palácio do Planalto está preparando uma agenda de compromissos que deverá ser cumprida antes das restrições eleitorais, que impedem candidatos de participar de inaugurações de obras públicas nos três meses anteriores à eleição, a partir de julho.

Segundo fontes ligadas ao Palácio do Planalto, e com informações não contestadas pelo governo, o cronograma deve abranger o período de janeiro a julho, com foco especial nas regiões Sudeste e Nordeste — onde se concentram os maiores colégios eleitorais — e vai incluir desde eventos culturais até entregas de obras. A partir de maio de 2026, Lula pretende priorizar viagens estratégicas que também devem promover aliados e impulsionar candidaturas regionais.

O tema foi tratado em reunião com sua equipe ministerial no fim de setembro, organizada para avaliar os resultados do governo até o momento e definir o que Lula chamou de as “metas de conclusão de obras e projetos previstos para entrega até 2026”.

Embora evite pedir votos de forma explícita, Lula tem utilizado eventos públicos, partidários, ministeriais e entrevistas para sinalizar intenção de disputar um novo mandato. “Sou um homem de 80 anos de idade e me preocupo com a minha saúde. Se eu, no momento de decidir, estiver com a motivação, com o vigor físico, com a vontade que tenho hoje, não tenho dúvida nenhuma de que serei candidato a presidente da República para um quarto mandato”, afirmou à Rádio Piatã FM, da Bahia, ao ser questionado se seria candidato à reeleição no próximo ano.

Atos já foram denunciados à PGR como campanha antecipada de Lula

Além das falas públicas, a oposição tem alertado para atos que caracterizariam campanha antecipada com o uso da máquina pública.

Pelo menos dois atos do presidente Lula já foram denunciados à Procuradoria-Geral da República (PGR) como suposta ação de campanha antecipada. A Gazeta do Povo procurou a PGR para saber o andamento das apurações, o Palácio do Planalto e a assessoria da Presidência da República, mas nenhum deles se manifestou até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto.

Uma das denúncias foi protocolada pelos deputados Luciano Zucco (PL-RS) e Ubiratan Sanderson (PL-RS), após o presidente fazer uso do horário gratuito de rádio e TV para divulgar programas assistenciais, como o Pé-de-Meia e a isenção de medicamentos da Farmácia Popular, em fevereiro.

Os parlamentares classificaram a ação como “utilização de recursos do Estado para promoção pessoal e eleitoral de Lula”, destacando que ele é “notório pré-candidato à reeleição em 2026”. “A injeção de dinheiro na economia, com o pagamento de benefícios sociais em meio à ampla campanha midiática e à proximidade do período eleitoral, caracteriza, em tese, abuso de poder político e campanha eleitoral antecipada”, afirmam os autores da denúncia.

Naquele ato, Lula disse que o governo está “trabalhando muito para trazer prosperidade para todo o Brasil, principalmente para quem mais precisa”. Para os deputados, o discurso, transmitido em cadeia nacional, ocorreu em um momento de queda expressiva na popularidade de Lula, conforme apontavam as pesquisas à época e ele usou o espaço e os meios públicos “como instrumento de autopromoção política”.

Outro suposto caso de campanha antecipada foi denunciado no fim de setembro pelo deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM). Segundo o parlamentar, o presidente Lula usou a celebração dos 95 anos do Ministério da Educação (MEC) para subir ao palanque.

O pedido foi protocolado na PGR no dia 29 do mês passado. Para o deputado, há “características de promoção política pessoal” e “conotação eleitoral”. No documento, Alberto Neto sustenta que a conduta de Lula “extrapola a liberdade de expressão” e que o evento “assumiu feição político-eleitoral extemporânea”, contrariando as normas eleitorais. Durante a cerimônia, Lula chegou a receber uma medalha e ergueu um troféu do MEC, em cima de um pódio, dando a conotação de um vencedor.

Em sua declaração, Lula exaltou o papel da educação no desenvolvimento do país e fez críticas veladas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Não tem motociata […] tem caminhada de educadores”, alfinetou. Em discurso inflamado, o petista disse ainda que “a soberania do Brasil virá pela educação, da creche à universidade”, e elogiou seus ministros da pasta, chamando-os “de os dois melhores ministros da Educação que o Brasil já teve”.

Analistas dizem que inaugurações e comparações podem ter caráter de campanha antecipada

“O fato de ter reiterado, com frequência, que pode ser ou que será candidato e o será para ganhar, muitas vezes comparando seu governo com o antecessor, falando das suas ações, lançando ou ampliando projetos sociais às vésperas das eleições, isso por si só deveria ser caracterizado como propaganda eleitoral antecipada. Não é um simples ato de governo, porque está usando isso em seu favor e fazendo campanha”, alerta o constitucionalista André Marsiglia.

A advogada Clarisse Andrade, doutora em Direito Público, da CA Advocacia Pública e Empresarial, analisa que a campanha é considerada irregular quando o discurso ou a divulgação tem clara intenção de captar apoio eleitoral, mesmo que de forma indireta. “Isso pode incluir discursos em eventos oficiais que não são eleitorais, mas acabam tendo um tom eleitoreiro, com anúncios populistas. Trabalha-se com a máquina a seu favor”.

Especialistas em Direito Eleitoral e cientistas políticos, como Paulo Kramer e Gustavo Alves, destacam que a combinação de discurso político, autopromoção e associação de políticas públicas a narrativas de polarização podem configurar atos de campanha antecipada e uso indevido da máquina pública. Além disso, o presidente tem explorado estratégias de comunicação institucional, incluindo viagens pelo país com o objetivo, segundo ele, de “desmontar a indústria de mentiras”.

Para o cientista político Paulo Kramer, as ações de Lula representam uma campanha aberta pela reeleição, que pode ser questionada na Justiça Eleitoral. Segundo ele, o presidente tem participado de atos públicos em diferentes regiões do país quase toda semana, num claro movimento de pré-campanha. Ainda assim, o especialista demonstra ceticismo quanto à atuação do Judiciário, afirmando que as punições devem recair apenas sobre candidatos da direita.

Apesar de todos os sinais, especialistas analisam certa inércia dos opositores e da sociedade civil em formalizar denúncias.

Lançamentos de programas assistenciais e entrega de obras

Anúncios do governo para ampliações e lançamentos de programas assistenciais, como o novo Vale Gás, que aumentou o número de famílias atendidas de cinco milhões para 17 milhões e também a isenção total da conta de luz para consumidores que utilizam até 80 kWh por mês, além de descontos para quem consome até 120 kWh, são analisados por especialistas como atos de pré-campanha, mesmo que não se fale em eleições durante a realização deles.

Soma-se à lista, a isenção do Imposto de Renda, que acaba de ser aprovada pelo Congresso para quem ganha até R$ 5 mil por mês e introduz faixas de redução para quem recebe pouco mais de R$ 7 mil.

“Isso foi uma promessa de campanha de Lula ainda em 2022, mas somente em março deste ano ela foi enviada para o Congresso e o presidente articulava para que fosse aprovada até outubro. Isso vai beneficiar 15 milhões de brasileiros em 2026, ano eleitoral e o público que ele vinha perdendo popularidade é justamente o de baixa renda”, destaca o economista e analista de mercado Rui São Pedro.

Em Roma, no início do mês, Lula afirmou que programas de ajuste fiscal não podem influenciar na redução de programas sociais. Ao falar especificamente da isenção do IR, disse que “essa progressividade tributária vai ampliar os recursos para o financiamento de políticas públicas essenciais”, ao justificar maior tributação para quem ganha acima de R$ 600 mil por ano. “É uma sinalização muito clara que ele pretende manter e elevar incentivos assistenciais para o ano que vem”, afirma Rui São Pedro.

Segundo o Portal da Transparência do governo federal e em cruzamento de dados da Meta, para promover a pauta da isenção do IR, o governo gastou, somente em setembro, cerca de R$ 8,5 milhões em propaganda nas redes sociais e internet.

“Eles usam o seu dinheiro para fazer campanha antecipada. Tem como dar certo esse país?”, descreveu o deputado estadual de Santa Catarina Sargento Lima (PL).

No caminho de medidas populistas, o governo ainda estuda implantar a tarifa zero no transporte público urbano e avalia reajustes do Bolsa Família, sob coordenação da secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior.

Lula também voltou a encampar a pauta do fim de escala 6×1, apesar de avançar no tema de forma menos agressiva.

Para Rui São Pedro, o timing da medida é estratégico. “Pode não capturar todos esses votos, mas é um benefício que salta aos olhos de quem ganha menos, uma parcela significativa da sociedade. Certamente será um instrumento forte para a campanha no ano que vem”.

Para a doutora em Direito Público Clarisse Andrade, a periodicidade das falas, propaganda com conotação – mesmo que indireta – de política-eleitoral e a associação das ações do governo ao bem-estar e benefício à população reforçam a percepção de que há uma mobilização eleitoral antes do período permitido por lei.

“Ele tem dado sinais, cada vez mais claros, que será candidato, mesmo após ter afirmado na campanha de 2022 que seria o governo de um mandato só”.

Intensificação de viagens oficiais: 13 estados em três meses

Do dia 1º de julho até a última semana, segundo dados levantados pela reportagem na agenda oficial do presidente, Lula já havia visitado 13 dos 26 estados, além de Brasília (DF), onde fica o Palácio do Planalto. As viagens também reacenderam o debate sobre uma possível caracterização de campanha antecipada em caravanas.

“A manifestação, que começa a se concretizar, reforça a estratégia do governo de ampliar sua presença em eventos públicos de forte apelo político”, reforça o constitucionalista André Marsiglia.

Lula diz que está percorrendo o Brasil apresentando ações do governo e rebatendo críticas da oposição. Embora o presidente tenha enquadrado o plano como esforço de comunicação institucional, o tom e o conteúdo das declarações — marcadas por ataques à direita, menções reiteradas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados — podem ser interpretados como atos de natureza eleitoral, especialmente por associarem realizações do seu governo a um discurso de disputa política.

“Quando compara sua gestão à do governo anterior dando a ela uma conotação de avanço e ao outro de retrocesso, e isso ocorre na cena e em tom de um pleito eleitoral, há uma conotação de campanha antecipada”, completa Alves.

Gazeta do Povo

Continue Lendo

ÚLTIMAS