Na manhã de hoje, a mobilização massiva no Rio de Janeiro — que envolve cerca de 2.500 agentes nos Complexos do Alemão e da Penha — deveria servir de alerta máximo para o que representa a política de segurança pública do país. Mas ao invés de marcar uma virada, a ação evidencia o vácuo de coordenação e responsabilidade que persiste no plano federal.
Embora o governo estadual tenha cometido seus próprios (e graves) erros estruturais — ausência de plano integrado, militarização esporádica, falta de controle de danos —, cabe lembrar que o papel do Polícia Federal, da esfera federal de segurança e da União vai muito além de cumprir nota de rodapé. E é justamente desse papel que hoje se espera respostas, não omissões.
Realidade inaceitável
Até o momento, fontes apontam dezenas de mortos na operação, o que a tornaria a mais letal da história da segurança do Estado do Rio.
São cerca de 280 mil pessoas vivendo nas áreas que foram palco da ação — comunidades que há anos clamam por políticas públicas e não apenas por incursões policiais.
Enquanto isso, nenhum pronunciamento robusto ou apoio visível do governo federal reforça a sensação de que, no fim, quem paga o pato é a população vulnerável — não o sistema falho que permitiu essa escalada.
A omissão federal
É flagrante que o governo federal não aparece como parceiro estratégico nessa operação — nem como coexecutor sério, nem como agente de diagnóstico, nem como financiador de uma política de longo prazo para essas áreas. Como se diz nas redes:
“Governo Federal não envia apoio ao Rio em megaoperação contra o crime organizado.” Reddit
Ora, se o Estado exerce papel ineficaz, o mínimo esperado é que a União preencha as lacunas: inteligência, financiamento, política social, previdência institucional de rodadas de ação. Mas nada disso se vê — apenas flashes, helicópteros, confrontos… e depois o silêncio.
O que está em jogo
A impressão de que a segurança pública virou espetáculo — incursão, helicóptero, barricadas —, e não direito garantido.
A perpetuação de um modelo que ataca sintomas (balas, fuzis, barricadas) e ignora causas (escoamento de drogas, financiamento de facções, precariedade urbana, ausência de Estado nas favelas).
A ascensão de narrativas que ligam “favela = zona de guerra” e que quase não questionam quem arma essa guerra — e por que uma política nacional falha permite isso.
O risco de que a “solução” siga sendo militarizada, pontual, e nunca estruturante — com o ônus recaindo sobre moradores, muitas vezes inocentes.
O governo federal precisa responder
Onde está a coordenação nacional para uma política de segurança que releve a dimensão interestadual e transnacional do crime organizado, especialmente no Rio?
Por que não há visibilidade de apoio federal — seja em termos de inteligência, seja em termos de recursos — justamente numa mobilização desta magnitude?
Qual é o plano para dar seguimento à invasão policial? Controlar a área, reconstruir serviços, garantir protagonismo comunitário? Ou só “limpar o terreno” e recolher os agentes?
Quando o governo federal vai reconhecer que segurança não pode se resumir a tarefas táticas, mas exige investimento social, urbano, habitacional, de emprego — que está quase ausente em tais regiões?
Em síntese
Nada justifica a morte de dezenas de pessoas sem que se apresente um bilhete de devolução ao cidadão: “aqui está o que faremos, quem falta, quanto custa, quem vai pagar, quando acaba”. A operação de hoje poderá — talvez — dar uma trégua, porém dificilmente muda um ciclo se o governo federal continuar como espectador. O Rio continua vulnerável. As favelas seguem à espera de presença de Estado. E o resto do país assiste.
Cabe aos responsáveis federais: saiam da plateia, entrem no jogo. Porque se a guerra estiver sendo feita nas ruas, a paz precisa começar na política.



