Referência em educação, escola pública de Ceilândia aprova 70 alunos na UnB

Centro de Ensino Médio 9 de Ceilândia torna-se referência de boa educação, no DF, e aprova 70 alunos na universidade. Aulas extras e participação de ex-discentes ajudam no bom resultado

O sonho de um futuro promissor foi alcançado por 70 alunos do Centro de Ensino Médio (CEM) 9 de Ceilândia, que foram aprovados para a Universidade de Brasília (UnB) e outras instituições de ensino superior. Eles ingressaram por meio do vestibular tradicional, Programa de Avaliação Seriada (PAS) e Sistema de Seleção Unificada (Sisu). O sucesso dos alunos foi tão grande que alguns deles conseguiram passar em mais de um processo seletivo.

Maria José Ferreira dos Passos, diretora da escola, afirma que, apesar de algumas dificuldades enfrentadas nos últimos anos, como a pandemia e o novo ensino médio, o resultado dos alunos demonstra que a equipe está no caminho certo. “Não tem como não ficar contente, porque o nosso objetivo é que a escola se volte para o mundo da ciência, para a universidade, e os alunos que querem isso, se encaixam muito bem aqui.”

A razão para o sucesso da escola, na visão do vice-diretor Antônio Rafael da Silva Junior, é o comprometimento de toda equipe pedagógica com a comunidade em que está inserida. “Muitos professores do CEM 9 foram alunos do colégio, eu, por exemplo. Depois, minha filha também estudou lá. Hoje, ela está no sexto semestre de medicina na UnB”, conta o professor. “Nossos resultados mostram que existe uma luz no fim do túnel. Se a gente tiver um objetivo traçado, existe a chance de transformarmos vidas através da educação”, completa.

A escola da periferia do Distrito Federal realiza atividades extras para os vestibulandos. Além das disciplinas da grade tradicional, o CEM 9 oferece aulões pela noite com ex-alunos que estão na graduação e monitorias aos sábados com os adolescentes que apresentam os melhores desempenhos da escola. Os alunos também são estimulados a participarem das olimpíadas nacionais de ciências e já chegaram às finais de diversas competições. A diretora também revela projetos futuros, entre eles, uma feira de conhecimentos ligados às atualidades para os estudantes da escola.

Como incentivo ao ingresso no ensino superior, o colégio realiza visitas em faculdades parceiras, quando os alunos têm a oportunidade de conhecer melhor diferentes carreiras. “Eu também sou psicólogo. Como estava com eles em sala de aula no ano passado, ministrando a disciplina de matemática, aproveitava as aulas para conversar e motivar os alunos. Falava dos cursos que conheço, levava livros… Vários professores faziam isso”, diz o educador, que pontua a necessidade de incentivos para que alunos em situação de vulnerabilidade possam não só acreditar que a aprovação é possível, como ter condições de se manter na universidade.

“Por ser uma escola carente, muitos não chegam nem a prestar o vestibular, porque não terão condição de se manter o dia todo na UnB, estudando. Eles precisam trabalhar. Então, nossa aprovação só não foi maior porque muitos alunos não fizeram as provas”, afirma.

Mudança de vida

Gabriel Costa tem 17 anos e foi aprovado em dois cursos: ciências biológicas e agronomia, pelo vestibular tradicional e pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS), respectivamente. Entre os dois, a paixão pela biologia falou mais alto. “Desde a infância, quando assistia na televisão as pessoas mexendo com os animais e manuseando coisas perigosas, sentia que gostava daquilo”, lembra.

O jovem é o primeiro da família a cursar o ensino superior: os pais e a irmã têm apenas o ensino médio completo. “É um sentimento de virada, minha família tem uma história marcada por dificuldades e humilhações, então, meus pais ficaram orgulhosos, porque sentiram que a criação deles deu certo, e que depois de muitos acontecimentos ruins e de muita batalha, uma coisa boa aconteceu”, conta Gabriel.

Durante a preparação para as seleções, Gabriel enfrentou uma greve da escola, o que o fez recorrer a outros meios de estudo, como vídeo-aulas, apostilas de outros alunos e até mesmo perfis de professores no Instagram. “Apesar de ter aproveitado o que aprendi na escola, porque buscava prestar atenção nas aulas, eu fui procurar sozinho materiais para estudar durante esse período.”

Com a nova vida na universidade, Gabriel se prepara para enfrentar novos desafios. Vai ter de se deslocar da Ceilândia para o campus Darcy Ribeiro, na Asa Norte: “Vou ter que acordar bem cedo para pegar transporte, vai ficar puxado.” Mas seus sonhos para o futuro são maiores — o garoto não quer trabalhar “dentro de um escritório”, mas pretende aliar à biologia a luta contra a crise climática. “Esse planeta está sendo destruído e eu espero que, na faculdade, eles me mostrem como continuar vivendo nele”, pondera.

O colega Guilherme Alves, 18 anos, também é o primeiro da família a ingressar em uma universidade pública. Passou para enfermagem tanto no vestibular tradicional quanto no PAS. “Acho uma área muito bonita, que exige o cuidado com a pessoa, com o enfermo, e eu aprecio muito a história da profissão.”

Alguns familiares por parte de pai, que é consultor técnico de carros, já ingressaram na faculdade, mas Guilherme é o primeiro da família por parte de mãe, autônoma da área da estética, a continuar os estudos. “A sensação de todos eles, é claro, é um orgulho muito grande porque, hoje em dia, concluir o ensino básico e ingressar no ensino superior já é uma grande conquista.”

Para se dedicar integralmente ao trabalho, ele vai precisar desistir do emprego de jovem aprendiz no Banco do Brasil. “Devido à demanda integral da universidade e por causa do deslocamento, porque vou usar transporte público, vou ter que abrir mão do emprego”, explica. Para se manter estudando, os pais vão apertar mais o cinto para pagar as despesas do alunos até que Guilherme consiga uma bolsa de iniciação científica, seu objetivo para os próximos semestres.

Exemplo dos mestres

Ana Luiza Figueirêdo, 18 anos, aprovada também em enfermagem e fisioterapia, ressalta o papel fundamental dos docentes do CEM 9 no seu processo de preparação, que além do incentivo nos estudos, também incentivavam que os alunos mantivessem uma vida social saudável para fora dos muros do colégio.

Ela conta que a escola foi grande responsável por fazê-la entender a importância da educação e vislumbrar um futuro profissional. A garota diz que leva consigo, sempre, o conselho de um dos professores: “nós precisamos sair dessa bolha que colocaram a gente. Nos disseram que na Ceilândia só tem criminalidade e pessoas ruins. Precisamos mostrar para a sociedade que não é assim, que existem coisas muito melhores do que o que é noticiado sobre nós na televisão.”

Filha de um bancário com uma orientadora pedagógica, Ana diz que cresceu em uma casa que dava muito valor à educação pública. “Meus pais escolheram que eu estudasse na escola pública, porque é uma escola de qualidade, aonde podemos, sim, ter um ensino bom. E quem faz a escola ser boa de verdade é o aluno, o diferencial é quando o aluno se esforça, se dedica realmente a aprender”, defende.

Alto desempenho

Ana Beatriz Ferreira e Antônio Lucas de Araújo, ambos de 18 anos, vão foram aprovados para cursos de alta concorrência na UnB. Ana quer ser psicóloga e Antônio escolheu engenharia de software. “Pensava em continuar tentando depois de terminar o ensino médio, mas não tinha expectativa de entrar esse ano. Quando vi que meu nome apareceu na lista, fiquei muito chocada”, comemora a menina.

Para se preparar, a jovem seguiu uma rotina intensa de estudos. “Estudava em casa e também tentava me esforçar para estar presente em todas as atividades da escola e conseguir pegar as matérias”, lembra.

Filho de pai motorista e mãe recepcionista, Antônio teve de conciliar ainda mais uma atividade à rotina puxada dos outros colegas: o trabalho em uma empresa de TI. “No tempo livre que tinha, tentava estudar coisas que eu mais tinha dificuldade”, conta.

Antônio quer se profissionalizar ainda mais na área em que atua e é apaixonado. “Além de ser uma coisa que eu já estou envolvido desde criança, quando montava computadores, eu já tenho algumas formações como técnico em informática”, diz ele.

Mesmo com tanta experiência para a idade, Antônio tem medo da “nova vida” que o espera na UnB: “É uma realidade que não conheço, o que, às vezes, traz uma certa preocupação: como é que vai ser? Mas é uma preocupação boa, porque também dá vontade de viver tudo isso.”

CB

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