Pesquisadores do Instituto de Vacinas Humanas da Universidade de Duke (EUA) identificaram uma rápida abertura na superfície do vírus que possibilita ligar um anticorpo a essa parte, aumentando as chances de criação de vacinas
O vírus da imunodeficiência humana (HIV) causa uma infecção que ataca o sistema imunológico. A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) é o estágio mais avançado. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o HIV ainda é um problema de saúde pública mundial. Até metade de 2023, o agente causou mais de 40 milhões de mortes. Enquanto os cuidados atuais se concentram em prevenção e controle, cientistas buscam fraquezas no vírus para achar a cura ou vacinas. Visando entender melhor o HIV, estudiosos da Universidade Duke, nos Estados Unidos, notaram um movimento ultrarrápido na superfície do vírus. Anticorpos destinados a essa parte móvel podem ser fundamentais para uma abordagem vacinal.
Conforme o HIV se desloca para fora de uma célula humana para atacar e espalhar sua carga genética, há um rápido momento em que um pequeno pedaço da sua superfície se abre para iniciar o processo de infecção. Notar a abertura e o fechamento dessa estrutura em milionésimos de segundo proporcionou aos pesquisadores do Instituto de Vacinas Humanas da Universidade de Duke uma nova compreensão da superfície do vírus que poderia levar à produção de anticorpos para uma vacina contra a Aids. Os resultados do ensaio foram detalhados, ontem, na revista Science Advances.
Alternativa
Segundo os estudiosos, conseguir ligar um anticorpo a essa ínfima parte, impedindo-a de se abrir, seria crucial. O pedaço móvel é uma estrutura chamada glicoproteína de envelope, e os pesquisadores vêm tentando compreendê-la há muito tempo, pois é indispensável para o vírus se acoplar a um receptor de células T — essenciais para o sistema imunológico — , conhecido como CD4. Muitos pedaços do envelope estão constantemente em movimento para evitar o sistema imune.
“Tudo o que todos fizeram para tentar estabilizar essa estrutura não funcionará, por causa do que aprendemos”, relatou, em nota, o autor principal Rory Henderson, biólogo estrutural e professor de medicina na universidade. “Não é que tenham feito algo errado, é apenas que não sabíamos que ela se movia dessa maneira.”
A pesquisadora pós-doutorada e coautora do estudo, Ashley Bennett, detalha os resultados encontrados. Segundo ela, à medida que o vírus procura o melhor ponto de fixação em uma célula T humana, o primeiro ponto de contato é o receptor CD4 da célula hospedeira. Essa conexão é o que desencadeia a abertura da estrutura do envelope, expondo um local de ligação a correceptores “e esse é o evento que realmente importa”.
Quando as moléculas do vírus estão ligadas à membrana celular, o processo de injeção de RNA viral pode começar. “Se ele entra na célula, sua infecção agora é permanente”, afirmou Henderson. “Se você for infectado, já perdeu o jogo porque é um retrovírus”, reforçou Bennett.
A estrutura móvel descoberta pela equipe protege o local de ligação a correceptores no vírus. “É também uma trava para impedi-lo de abrir até estar pronto para abrir”, sublinhou Henderson. Conforme o pesquisador, manter a trava com um anticorpo específico interromperia o processo de infecção.
Josias Aragão, infectologista do Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo, pondera que, apesar da relevância da descoberta, ainda há muito para se compreender, pois o HIV tem diversos fatores que dificultam a cura.
“Isso depende também da interação do vírus com o hospedeiro. Essa dificuldade tem que ver com a interação do vírus com a pessoa que o carrega. O HIV tem mecanismos que possibilitam escapar do sistema imunológico. Parte do material genético dele fica integrado com o material genético humano. Também há grande diversidade viral num mesmo indivíduo, com subpopulações do vírus em diferentes sistemas e órgãos.”
Processo
Para analisar o vírus em fases de abertura, fechamento e intermediário, os autores usaram um acelerador de elétrons, localizado no Laboratório Nacional de Argonne, nos Estados Unidos. Para conseguir as informações que precisavam, eles tiveram acesso a três períodos de 120 horas com o equipamento.
Trabalhos anteriores sugeriram que os anticorpos estavam sendo projetados para formas erradas no vírus, o novo ensaio revela que isso provavelmente estava correto. “A pergunta era ‘por que, ao imunizar, estamos obtendo anticorpos para lugares que deveriam estar bloqueados?'” Questionou Henderson. Parte da resposta deve ser encontrada nessa estrutura e em sua habilidade de transformação.
“A interação entre a ligação do anticorpo e o que essa forma representa é realmente crucial para o trabalho que realizamos. Isso nos levou a projetar um imunógeno no dia em que voltamos do primeiro experimento. Achamos que sabemos como isso funciona”, finalizou o autor principal.
Marcelo Neubauer, infectologista e membro do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA), frisa necessário relembrar a importância do controle do patógeno. “Atualmente, conseguimos manter o paciente livre de sintomas, com carga viral indetectável e um número adequado de células de defesa. No entanto, pensar em cura é muito difícil. Além disso, a ideia de uma vacina é bastante complexa, dadas as características do próprio vírus, que atuam no sistema de defesa. De certa forma, uma vacina poderia estimular o vírus a atingir mais células de defesa.”
Prevenção
“Várias vacinas já foram estudadas e nenhuma foi para frente, atuando em diferentes locais. Mas essa pode ser uma nova oportunidade, com um novo local a ser estudado, para criar uma vacina que talvez dê certo. Isso é muito interessante. Hoje temos tratamento com o qual a pessoa vive com HIV e tem carga viral indetectável, devido aos medicamentos ela não transmite. Isso já é uma forma de prevenção, também existe a prep, que é a profilaxia pré-exposição, uma combinação de medicamentos parecida, mas não igual ao coquetel dos portadores do vírus.”
Juliana Fenley, infectologista e coordenadora de medicina da Universidade Anhembi Morumbi
CB