Bolsonaro e o vice se recusaram a entregar o símbolo do poder ao petista
Após ser empossado no Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu hoje (1º) a rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, e recebeu a faixa presidencial de cidadãos que representam a diversidade do povo brasileiro. Entre eles estava o cacique Raoni Metuktire, de 90 anos, líder do povo Kayapó, Aline Sousa, de 33 anos, catadora de materiais recicláveis do Distrito Federal, e Francisco, 10 anos, morador de Itaquera.
De acordo com o rito democrático, Jair Bolsonaro (PL) deveria ter entregue a faixa ao seu sucessor. No entanto, o agora ex-presidente embarcou na sexta-feira (30) para os Estados Unidos para passar a virada do ano e não repassar o mandato ao petosta.
A primeira-dama Janja Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e sua esposa, Lu Alckmin, acompanharam Lula e o grupo na entrada do palácio. A cadela vira-lata Resistência também subiu a rampa. Ela morava no acampamento de militantes do Partidos dos Trabalhadores em frente à Polícia Federal, em Curitiba, e foi adotada por Janja quando o presidente estava preso na cidade, em 2018.
Também subiram a rampa e participaram da entrega de faixa: Wesley Rocha, 36 anos, metalúrgico; Murilo Jesus, 28 anos, professor; Jucimara Santos, cozinheira; Ivan Baron, que tem paralisia cerebral; e Flávio Pereira, 50 anos, artesão.
A faixa presidencial foi criada em 1910 pelo então presidente Hermes da Fonseca como ato simbólico, mas o presidente que deixa o cargo não tem obrigação legal de participar do rito.
Assim como Bolsonaro, o ex-presidente João Baptista Figueiredo, último do período da ditadura, se recusou a passar a faixa para seu sucessor, José Sarney.
Choro em discurso
Após receber a faixa, Lula voltou a discursar, pela terceira vez, no Parlatório da sede do Executivo federal. Ao se dirigir aos apoiadores que o aguardavam na Praça dos Três Poderes, o presidente iniciou o discurso agradecendo os eleitores que combateram a “violência política” durante na campanha eleitoral e disse que vai governar para todos os brasileiros.
“Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado”, afirmou.
Ele chegou a chorar em alguns momentos do discurso, quando falava da fome no Brasil.
Ao citar pessoas pedindo dinheiro com cartazes e fazendo fila na porta de açougues para comprar ossos, Lula ficou com a voz embargada e teve de interromper a fala.
“Há muito tempo, não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas. Mães garimpando lixo em busca de alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Crianças vendendo bala ou pedindo esmola, quando deveriam estar na escola vivendo plenamente a infância a que têm direito”, disse.
“Trabalhadores e trabalhadoras desempregados, exibindo nos semáforos cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: ‘por favor, me ajuda’”, continuou, perdendo a voz em razão do choro.
Lula interrompeu o discurso para se recompor, e foi aplaudido pelos milhares de apoiadores na Praça dos Três Poderes. Depois, retomou a fala – mas logo a interrompeu novamente.
“Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de jatinhos particulares. Tamanho abismo social é um obstáculo à construção de uma sociedade justa e democrática, e de uma economia próspera e moderna”, disse.
A indignação com a desigualdade social foi o tema central da primeira parte do discurso de Lula.
“Assumimos hoje, diante de vocês e de todo o povo brasileiro, o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade no nosso país. Desigualdade de renda, de gênero e de raça. Desigualdade no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado, no acesso á saúde, à educação e a demais serviços públicos”, enumerou.
“Desigualdade entre a criança que enfrenta a melhor escola particular e a criança que engraxa sapato na rodoviária, sem escola e sem futuro. Desigualdade entre a criança feliz com o brinquedo que acabou de ganhar de presente, e a criança que chora de fome na noite de Natal”, comparou, embargando a voz mais uma vez.
“Desigualdade entre quem joga comida fora e entre quem só se alimenta das sobras. É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95% de pessoas. Que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres do país”, seguiu.
Diário do Poder