Lula traiu de novo a democracia (e os venezuelanos)

Ninguém tinha mais chances de pressionar Maduro a fazer a coisa certa, mas o governo brasileiro preferiu ser cúmplice do ditador

A diplomacia lulista – tanto a ostensiva, do chanceler Mauro Vieira, quanto a das sombras, de Celso Amorim – não impediu que as eleições venezuelanas marcadas para 28 de julho sejam uma farsa. Traiu a democracia, mais uma vez, e traiu os venezuelanos, mergulhados numa crise humanitária sem precedentes na América Latina.

Crusoé publicou há pouco que Nicolás Maduro escolheu a “oposição” que constará das urnas no dia da votação. Impediu que a coalizão de partidos que representam uma alternativa verdadeira ao regime bolivariano registrasse sua candidatura, mas liberou o governador do estado de Zulia, Manuel Rosales, para concorrer. Rosales é oposição até a página dois. Se não estivesse disposto a compor com Maduro, não teria sido admitido na eleição.Prestou-se a legitimar o cambalacho que começa a ser encenado.

Nenhum outro país tinha mais condições políticas e econômicas que o Brasil de pressionar o ditador venezuelano a fazer eleições limpas e democráticas. Isso não significa apenas denunciar fraudes e coação no dia marcado para as eleições. Significava impedir que Maduro enviesasse as regras do jogo desde o início, usando uma justiça eleitoral inteiramente submetida a ele para banir a oposição de fato competitiva – aquela representada pela Plataforma Unida Democrática (PUD).

Sem desculpa

A autêntica representante da PUD seria Marina Corina Machado, mas ela teve seus direitos políticos cassados por 15 anos. Em vez de ficar “chorando”, como disse Lula em uma frase verdadeiramente infame, a popular Corina indicou uma xará como substituta – a professora Corina Yoris, contra a qual não existia nenhuma limitação legal. Mesmo assim, o sistema de registro eleitoral permaneceu bloqueado para o PUD, apesar das tentativas de inscrição terem sido repetidas até o último segundo autorizado pelas regras.

As razões por que ditadores como Maduro se recusam a deixar o poder são simples: cobiça e medo. Querem continuar usufruindo das benesses de que desfrutam, às custas do empobrecimento do restante da população, e temem pagar pelos crimes que cometeram ao perder o cargo. No caso de Maduro os crimes contra os direitos humanos são tão graves que estão sendo analisados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).

Ao assistir passivamente às artimanhas de Maduro na formatação de eleições fake, Lula se torna cúmplice de um criminoso cujos maior interesse, neste momento avançado de sua “residência na terra” (para citar Pablo Neruda), é fugir de punições pelo que fez. Maduro não dispõe dos recursos morais, materiais e intelectuais para tirar seu país do abismo.

Qual o interesse vital da nação brasileira que essa política externa promove? Qual o interesse vital do continente, assombrado por milhões de refugiados venezuelanos que deixaram seu país fugindo da fome e da violência? Nenhum. Não existe desculpa possível para Lula e seus comparsas.

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PS: Pouco depois de este artigo ser publicado, o Itamaraty divulgou uma nota dizendo acompanhar com preocupação o desenrolar dos eventos na Venezuela. A preocupação, agora, é irrelevante. Em vez de tratar Maduro como alguém em quem se pudesse confiar, Lula e seus comparsas deveriam tê-lo pressionado a fazer eleições limpas. Preferiram mimá-lo. São cúmplices do ditador.

O Antagonista

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