“Hipocrisia em trânsito: vice do Chega reage a Gilmar Mendes, mas esquece o caos jurídico brasileiro”

A recente reação do vice-presidente do partido português Chega, Pedro dos Santos Frazão, às declarações do ministro do STF Gilmar Mendes, expôs mais uma vez o choque entre arrogância e incoerência na arena política luso-brasileira. Gilmar afirmou que o sistema de imigração em Portugal é “desorganizado e caótico”, e Frazão, em tom de indignação patriótica, retrucou defendendo a soberania portuguesa e criticando a suposta prepotência brasileira.

Mas o episódio revela algo mais profundo — e incômodo: a incapacidade de ambos os lados de enxergar o próprio espelho.

De um lado, Gilmar Mendes, integrante de uma Corte que vive cercada por polêmicas, prisões preventivas sem prazo e decisões monocráticas que moldam o jogo político à vontade. Falar em “caos administrativo” alheio soa como ironia vinda de um país onde o próprio Judiciário é acusado de protagonizar o caos institucional.

Do outro, Pedro Frazão e o partido Chega, conhecidos por seu discurso inflamado contra imigrantes e por promoverem uma retórica nacionalista que roça o autoritarismo. Sua resposta a Gilmar, em vez de ser uma defesa racional do sistema português, foi um espasmo de populismo identitário, transformando uma crítica técnica em bandeira ideológica.

A verdade é que Portugal enfrenta, sim, uma crise migratória e burocrática, agravada pela falta de estrutura do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e pelo volume crescente de imigrantes — muitos deles brasileiros — em busca de dignidade. Fingir que tudo vai bem é negar a realidade.

Mas tampouco cabe a um ministro do Supremo brasileiro, com todas as mazelas de seu próprio país, apontar o dedo para o vizinho europeu. O gesto de Gilmar Mendes soa como a velha arrogância de toga, um hábito de emitir juízos sem autocrítica.

No fim, o duelo entre o juiz e o político nacionalista apenas confirma o diagnóstico que ambos tentaram negar: o caos não tem fronteiras — ele é político, moral e institucional.

Talvez Portugal precise reorganizar seu sistema migratório. Mas o Brasil, antes de apontar o dedo, precisa reorganizar o próprio Judiciário.

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