Opinião: Moraes e PF não demonstraram que conversas e desejos formam um plano coerente e real de golpe

Incompetência das investigações chega ao ponto de trabalharem num caso durante dois anos e não levantarem prova alguma que fique de pé?

Uma das novidades da vida cotidiana no Brasil de hoje é o dever quase-legal de acreditar num absurdo por dia. São coisas que dizem com a cara, a formalidade e a segurança de um texto do Diário Oficial, e que não fazem nenhum nexo por qualquer tipo de raciocínio lógico – mas nas quais o cidadão é obrigado a acreditar, sem perguntar nada, sob pena de incidir nos delitos de “fascismo”, “nazismo”, “ato contra a democracia”, “extrema direita”, “golpismo” e “negacionismo”

É a criminalização do ato de pensar – por decisão do STF, da Polícia Federal e da porção da mídia que reproduz mecanicamente o que ambos lhes entregam para publicar. Você tem que acreditar, por exemplo, que um tubo de batom é “substância inflamável”; Alexandre de Moraes escreveu isso. Houve uma tentativa de golpe armado, com estilingues e bolas de gude, em 8 de janeiro de 2023. O mesmo ministro diz que foi agredido no aeroporto de Roma, mas o STF mantém em sigilo há mais de um ano as imagens gravadas do episódio.

Esse “crê ou morre”, como no Islã, é do tipo pega geral. Em política é obrigatório dizer que o presidente Lula não perdeu nada nas eleições municipais de 2024 – o PT ficou com menos de 5% das prefeituras e o candidato de Lula foi incinerado em São Paulo, mas isso é porque ele “se preservou”. Em economia está decidido que um crescimento de 3% ao ano, igual ao do último ano do governo anterior, é “robusto”. Em conduta, a mulher do presidente dirige palavras de baixo calão a Elon Musk, mas é ele quem propaga o “discurso do ódio”.

A conferência do G-20 ora encerrada no Rio de Janeiro, e que deveria ser a obra prima da política externa de Lula, acabou com um dos comunicados mais indigentes na história do grupo – uma sopa de palavras tão aguada, e tão inútil, que ninguém achou motivo para vetar nada no texto. Mas a alternativa era não sair nem isso, o que parece ter deixado o Itamaraty em princípio de pânico. Como, no fim, arrumou-se alguma coisa para colocar no papel, a verdade oficial é que a diplomacia brasileira deu um show.

A última obrigação expedida pelo ministro Moraes e a PF estabelece que se leve a sério uma “Operação Punhal Verde-Amarelo” – um segundo golpe de Estado de Jair Bolsonaro contra Lula, ou a continuação do primeiro, que já está sendo investigado há quase dois anos, por outros meios. Não parece claro se é uma coisa ou outra, mas a principal novidade é que Lula, nesta versão, seria envenenado. Moraes, que antes seria executado na estrada que vai de Brasília a Goiânia, continua da lista de assassinatos dos golpistas. Iam matar, também, Geraldo Alckmin – coisa que jamais passou pela cabeça de ninguém até hoje.

No golpe como ele era até agora, segundo Moraes e a polícia, a prova mãe era a “delação premiada” do coronel Cid e as suas “minutas do golpe”. A delação, aparentemente, não está valendo mais; nem o ministro e nem a PF estão satisfeitos com ela. As “minutas” não serviriam como prova nem num júri de centro acadêmico. Se o ministro Toffoli decidiu que confissões voluntárias de corrupção ativa são “imprestáveis”, por que as minutas do coronel seriam prestáveis? As provas da polícia, agora, são “conversas entre militares”.

Por J.R. Guzzo / ESTADAO

Continue Lendo

ÚLTIMAS