Papa Leão 14 diz que manterá reformas de Francisco, mas sem alterar doutrina

Em primeira entrevista, pontífice expressa preocupação com política dos EUA e crise humanitária em Gaza, sem fazer críticas diretas a Trump e a Israel. Chefe do Vaticano afirma que seguirá com abertura para mulheres em cargos de liderança e para comunidade LGBT; ensinamento da Igreja, porém, não mudará

Cidade do Vaticano | Reuters – O papa Leão 14 manterá as principais políticas de Francisco para acolher católicos gays, discutir a ordenação de mulheres e permitir que a China tenha participação na nomeação de bispos, mas não pretende promover grandes mudanças na doutrina católica, afirmou em sua primeira entrevista, divulgada nesta quinta-feira (18).

Leão 14, que em maio se tornou o primeiro papa americano, também expressou preocupação com o ambiente político nos Estados Unidos e com a situação humanitária em Gaza. Mas, demonstrando cautela em comparação com seu antecessor, evitou fazer críticas diretas ao presidente Donald Trump ou afirmar que Israel tenha cometido genocídio.

A entrevista foi realizada no fim de julho para uma biografia a ser publicada pela Penguin Peru —ele viveu décadas no país andino, onde construiu boa parte de sua trajetória na Igreja. Trechos iniciais foram divulgados no último domingo (14).

“Não pretendo me envolver em política partidária”, disse Leão, criado em Chicago. “Há questões significativas que podem ser levantadas, mas seria impossível para o papa se envolver nos assuntos de cada país do mundo.”

Leão 14 também repetiu a firme condenação de Francisco aos escândalos de abuso sexual que abalaram a Igreja de 1,4 bilhão de fiéis ao redor do mundo, mas manifestou preocupação com falsas acusações contra padres.

O pontífice, que completou 70 anos no último domingo (14), tem mostrado um estilo mais reservado que o de seu antecessor, que concedia entrevistas com frequência, falava de forma aberta sobre eventos mundiais e criticava duramente tanto Trump quanto Israel.

Francisco, que liderou a Igreja por 12 anos, sugeriu no fim de 2024 que Israel poderia estar cometendo genocídio em Gaza, provocando reação negativa dos líderes israelenses.

Na entrevista, Leão afirmou ter “grande preocupação” com a situação em Gaza. “A palavra genocídio tem sido usada cada vez mais”, disse. “A Santa Sé não acredita que possamos fazer qualquer declaração neste momento sobre isso.”

Leão 14 também disse que ainda não conversou com Trump, mas indicou que levantou preocupações sobre a repressão do governo contra migrantes quando se encontrou com o vice-presidente dos EUA, J. D. Vance, em maio.

“Falei sobre a dignidade humana e como isso é importante para todas as pessoas, independentemente de onde tenham nascido”, disse Leão sobre o encontro.

“Obviamente, há coisas acontecendo nos Estados Unidos que são motivo de preocupação”, acrescentou. “Continuamos buscando formas de ao menos responder e levantar algumas das questões que precisam ser feitas.”

O pontífice evita polemizar sobre o acordo histórico com a China feito por Francisco em 2018, que dá a autoridades de Pequim algum poder de influência nas nomeações papais no país.

Alguns católicos conservadores criticaram o acordo por dar influência excessiva à China, mas autoridades do Vaticano ressaltam que o papa mantém a decisão final.

“No longo prazo, não pretendo dizer o que farei ou não farei”, disse Leão sobre o pacto. “No curto prazo, continuarei a política que a Santa Sé vem seguindo há alguns anos.”

Sobre os escândalos de abuso sexual, que prejudicaram a posição da Igreja como voz moral, Leão 14 afirmou que as vítimas “devem ser tratadas com grande respeito e com o entendimento de que aqueles que sofreram carregam essas feridas por toda a vida”.

Francisco procurou abrir a Igreja tradicional ao mundo moderno, recebendo críticas de católicos conservadores, inclusive de alguns cardeais, que temiam um enfraquecimento dos ensinamentos rígidos da Igreja.

Ele publicou um decreto em 2023 permitindo que padres dessem bênçãos a casais do mesmo sexo, caso a caso. Também criou duas comissões para estudar a ordenação de mulheres como diáconas, tema cuja discussão era proibida por papas anteriores. A Igreja Católica tem um clero exclusivamente masculino.

Leão disse que manteria a abertura de Francisco tanto em relação à liderança feminina na Igreja quanto aos católicos LGBT, mas não sugeriu passos adicionais.

“Espero continuar nos passos de Francisco”, disse Leão sobre a decisão do papa argentino de nomear mais mulheres para cargos no Vaticano.

“O tema se torna delicado quando a pergunta específica é sobre ordenação”, afirmou Leão 14. “No momento, não tenho intenção de mudar o ensinamento da Igreja sobre esse tópico.”

O papa deu resposta semelhante ao ser questionado se a Igreja poderia mudar sua posição sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “As pessoas serão aceitas e recebidas”, disse, referindo-se a católicos LGBT. “O ensinamento da Igreja continuará como está, e é isso o que tenho a dizer por ora.”

Leão 14 também abordou os problemas financeiros do Vaticano, que incluem um déficit orçamentário de € 83 milhões (R$ 531 milhões) e uma lacuna ainda maior em seu fundo de pensão. O papa afirmou que o financiamento está melhorando. “Não acho que a crise tenha acabado, mas não estou perdendo o sono por causa disso”, disse.

Fonte: Folha de São Paulo

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