O juiz instrutor Airton Vieira, que em março do ano passado comunicou em audiência ao tenente-coronel Mauro Cidque ele voltaria à prisão, é o mesmo que aparece nas trocas de mensagens que indicaram uma atuação fora do rito do gabinete de Alexandre de Moraes em investigação contra bolsonaristas.
Na audiência de 22 de março de 2024, o juiz, que era na ocasião o assessor mais próximo de Moraes no STF, informou a Mauro Cid sobre a prisão dele em decorrência de gravações publicadas pela revista Veja em que o tenente-coronel afirma que estaria sendo forçado a delatar o que não havia acontecido.
“Eu tenho, no entanto, que cientificar a todos que o senhor ministro relator Alexandre de Moraes, nos autos da PET 11.767 do Distrito Federal, decidiu e decretou a prisão preventiva do senhor Mauro Cesar Barbosa Cid”, disse Airton na audiência, cujo vídeo foi tornado público por Moraes na semana passada.
Nessa oitiva (a primeira de Cid no Supremo), o tenente-coronel chorou duas vezes e desmaiou instantes após ouvir a ordem de prisão, tendo sido atendido por socorristas do tribunal.
Como revelou a Folha em agosto de 2024, o gabinete de Moraes no STF ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões do próprio ministro contra bolsonaristas no inquérito das fake news no Supremo durante e após as eleições de 2022.
A reportagem teve acesso a mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes, entre eles Airton Vieira.
Em um dos áudios reproduzidos naquelas reportagens, Vieira chegou a demonstrar preocupação com a forma de atuação dos gabinetes do ministro no STF e no TSE.
“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”
Em outro áudio, ao ser informado que só haviam encontrado “publicações jornalísticas” em consulta ao site da revista Oeste, Vieira sugere o uso da “criatividade” para produção de relatório que teria sido encomendado por Moraes para desmonetizar publicações que o ministro consideraria “golpistas”.
Airton Vieira é paulista e formou-se em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Virou juiz de 1º grau em 1990 e, em 2013, juiz substituto em segunda instância no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Foi assessor de Cezar Peluso no STF e, em 2021, assumiu o cargo de desembargador do TJ-SP. É amigo de Moraes, tendo sido juiz auxiliar de seu gabinete de 2018 a 2023 e, depois, de fevereiro a dezembro de 2024.
Na sua posse como desembargador, Moraes fez a ele uma saudação especial e disse que a única coisa que não poderia dizer do amigo é que ele era um “garantista”, sugerindo considerar “punitivista” o perfil de atuação de Airton.
Em 2014 o site Ponte Jornalismo publicou reportagem que tinha Airton como personagem central ao abordar decisão relatada por ele que absolveu em segunda instância um fazendeiro de 80 anos que havia sido condenado por manter relações sexuais com duas adolescentes, de 13 e 14 anos, em troca de dinheiro (estupro de vulnerável).
A reportagem intitulada “As Duas Faces da Justiça” contrapôs essa decisão a manifestações de Vieira no documentário “Bagatela” (Doc TV SP III, 2010, direção de Clara Ramos), que aborda o princípio da insignificância na esfera penal e conta a história de mulheres presas por pequenos furtos.
No documentário, Airton, ainda juiz de primeira instância, defende a punição a esses delitos sob o argumento, entre outros, de que a pessoa deve sentir a resposta do Estado sob pena de se sentir autorizada a praticar outros crimes, inclusive piores.
Fonte: Folha de S. Paulo