Depois de meses de negociação, a oposição conseguiu aprovar, na noite de quarta-feira (17), um requerimento de urgência para votar o projeto da anistia aos presos de 8 de janeiro de 2023. Ele dá início ao processo que pode levar à votação do tema na Câmara e no Senado. Agora, o embate travado pela bancada do PL, de Jair Bolsonaro, é garantir que o ex-presidente seja incluído entre os beneficiados pela proposta.
A urgência aprovada acelera a análise e permite a votação do mérito diretamente no plenário, sem que o projeto precise passar por um extenso calendário de discussão em comissões. Mesmo assim, ainda não há previsão de data para que o projeto vá a plenário. As negociações por mudanças no texto que derrubem as penas para o ex-presidente poderão durar mais algumas semanas.
O requerimento foi incluído na pauta de votações pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), após a oposição ampliar a pressão com a condenação de Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.
Além do PL, o pedido de urgência foi apoiado por partidos como Republicanos, União Brasil, Progressistas (PP), PSD, Podemos, Novo e Solidariedade. Ao todo, o requerimento contou com 311 votos favoráveis e 163 contrários.
O texto em tramitação, do projeto de lei 2.162/2023, perdoa “todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor desta Lei”.
A atual redação também garante a anistia a “crimes com motivação política e/ou eleitoral, ou a estes conexos”.
Apesar da possibilidade de derrubar a condenação criminal de Bolsonaro no caso do golpe, a rigor, a fórmula não derruba a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por causa da reunião com embaixadores em julho de 2022 e pelo comício em 7 de setembro de 2022 no Dia da Independência em Brasília.
O deputado Luciano Zucco (PL-RS), um dos aliados mais próximos de Bolsonaro e líder da oposição na Câmara, disse que agora o texto será trabalhado com o relator, que é definido pelo presidente da Câmara Hugo Motta. O deputado escolhido foi Paulinho da Força (Solidariedade-SP).
“A gente entende que há pessoas presas injustamente e estamos correndo contra o tempo. Não tenho dúvida de que hoje o Brasil inteiro está atento a esta votação”, disse.
Segundo líderes do Centrão ouvidos pela reportagem, não houve um compromisso de incluir o ex-presidente Bolsonaro no texto final, mas apenas de construir um texto que tenha maioria para ser aprovado na Câmara.
“Tenho convicção de que a Câmara conseguirá construir essa solução que busque a pacificação nacional, o respeito às instituições, o compromisso com a legalidade e levando em conta também as condições humanitárias das pessoas que estão envolvidas nesse assunto”, disse Hugo Motta ao abrir a sessão da Câmara.
O projeto escolhido para a aprovação da urgência, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), deve mudar na discussão em plenário. O presidente Hugo Motta disse que há visões distintas e interesses divergentes sobre os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, mas uma solução tem que ser criada de forma coletiva e um texto substitutivo deve ser elaborado rapidamente.
“O Brasil precisa de pacificação. Cabe ao plenário, soberano, decidir. O plenário Ulysses Guimarães é o coração da República”, disse Motta ao encerrar a sessão de votação.
Inelegibilidade de Bolsonaro pode ficar de fora da anistia da Câmara
Antes da reunião de líderes que acertou a votação do pedido de urgência, integrantes da oposição se reuniram com Motta para definir os detalhes da votação.
Os parlamentares do PL defendiam que, além da anistia penal pela condenação por golpe de Estado, Bolsonaro também tivesse a inelegibilidade revista pelo projeto em discussão no Congresso.
O presidente da Câmara sinalizou, durante o encontro com a oposição, que a inelegibilidade de Bolsonaro não será tratada no projeto da anistia. A decisão do TSE impôs a Bolsonaro uma inelegibilidade até 2030. A condenação no STF estendeu a suspensão dos direitos políticos para 2060. Na prática, isso retira Bolsonaro da vida pública.
Aliados de Bolsonaro apostam que a inelegibilidade do TSE será revista com a chegada dos ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça ao comando da Corte Eleitoral no ano que vem. Indicados por Bolsonaro para o STF, eles assumem, em agosto de 2026, a presidência e a vice do TSE, a tempo de aprovar um eventual registro de candidatura de Bolsonaro.
“Nós estamos discutindo a urgência da anistia. Um passo de cada vez. Nós vamos votar a urgência do texto, aguardar o Hugo Motta nomear o relator e, depois, discutir o mérito a posteriori”, afirmou o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), ao ser questionado sobre a queda da inelegibilidade.
Centrão usa urgência para mandar recado ao governo Lula após PEC da Blindagem
Além de um aceno para a oposição, a urgência para a anistia também foi a forma encontrada pelo Centrão para impor uma derrota ao Palácio do Planalto.
Os líderes desses partidos ficaram insatisfeitos com a posição contrária do PT à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Imunidade, também apelidada de PEC da Blindagem. Havia um acordo nos bastidores de que PT ajudaria o Centrão na votação da PEC, que foi aprovada ainda na noite de terça-feira (16).
Apesar disso, apenas 12 deputados do PT foram favoráveis ao texto. Para líderes do Centrão, os petistas tentaram deixar o desgaste da medida apenas para Hugo Motta.
“Não há interesse do governo em dialogar com a Casa, mesmo em um projeto que buscaria a valorização do Legislativo de forma geral”, disse à reportagem um líder partidário próximo do presidente da Câmara, em referência aos poucos votos entregues pelo PT na aprovação da PEC. A bancada do PT tem 67 deputados em exercício.
A postura contrária do PT à PEC da Imunidade foi adotada após uma reunião entre Lula e o presidente nacional da sigla, Edinho Silva, no Palácio do Planalto. No encontro, o presidente sinalizou que a proposta não é um tema do Executivo, e sim do Legislativo, mas que seria ruim para os deputados do partido votar a favor da matéria.
O líder do governo, Odair Cunha (PT-MG), que votou a favor da PEC, liberou os deputados da base, seguindo a orientação de neutralidade do Palácio do Planalto. Já o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), orientou a bancada a votar contra a matéria. Na sessão que aprovou a urgência da anistia, Lindbergh afirmou que os favoráveis ao texto “estão sendo cúmplices de um golpe de Estado continuado”. “Hoje é um dia de vergonha deste parlamento”, completou.
Gazeta do Povo