Como Bolsonaro alimentou a “Rataria” – uma cronologia dos fatos

O Antagonista organiza e esmiuça atos e falas, a partir de provas, relatórios e depoimentos, além do baú do próprio portal

A cronologia abaixo (que poderá ser atualizada com novos elementos) não é uma análise de responsabilidade penal de Jair Bolsonaro, nem de qualquer outro dos 37 indiciados pela Polícia Federal no inquérito sobre a trama golpista.

Ela apenas organiza e esmiuça os fatos, a partir de provas, relatórios, depoimentos e cruzamento de dados, além do próprio baú de O Antagonista, limitando-se a considerações de ordem política e moral. (Desse modo, aprofunda e costura as análises feitas em vídeo, no Papo Antagonista: aquiaqui e aqui.)

A pressa em defender ou repudiar a eventual prisão do presidente leva muita gente no debate público a ignorar os acontecimentos revelados pelas investigações policiais e jornalísticas.

Como o primeiro dever do jornalismo é expor o que aconteceu, O Antagonista cumpre seu dever, não sem antes lembrar o seguinte:

Bolsonaro teve caminhos constitucionais para conter abusos de ministros do Supremo Tribunal Federal. Em 2019, no entanto, sabotou a CPI da Lava Toga, que investigaria Dias Toffoli inclusive pela abertura do inquérito das fake news, a partir do qual Alexandre de Moraes se tornou uma espécie de relator-geral da República; e vetou o Projeto de Lei Nº 2121/19, que limitava o poder de decisões monocráticas proferidas por ministros do STF.

Ao culpar os tribunais superiores pela derrota eleitoral para Lula, o governo Bolsonaro, então, procurou alternativas e pressões não republicanas.

5 de julho de 2022

Jair Bolsonaro, em sua fala de abertura em reunião ministerial do governo, indica haver fraude na eleição presidencial de 2022 para que o candidato Lula seja o vencedor.

Ele chega a perguntar:

“Nós vamos esperar chegar [os anos de dois mil e] 23, 24, pa [sic] se fuder? Depois perguntar: por que que não tomei providência lá trás?”

Como costuma fazer quando fala algo mais comprometedor diante de muita gente, Bolsonaro ameniza parcialmente a fala em seguida, dizendo não se tratar de “dar tiro”, “tocar fogo aí”, “metralhar”; afinal, como ficará claro nesta cronologia, ele busca dar ares de legitimidade a uma eventual ação contrária ao resultado eleitoral, como se ela pudesse ser baseada em algum instituto jurídico existente.

A Câmara deve votar hoje o… a PEC da Bondade, como é chamada, né? E não tem como, né, depois dessa PEC da Bondade, a gente… a gente não tá pensando nisso, manter 70% dos votos, ok? Mas a gente vai ter 49% dos votos, vou explicar por quê, né? E… Nós estamos vendo aqui a… não é toda a imprensa, uma outra TV e as mídias sociais sobre a delação do Marcos Valério. A questão da… da execução do Celso Daniel. Né? E… O envolvimento com o narcotráfico. E… Temos informações do General Carvajal lá da Venezuela que tá preso na Espanha. Ele… já fez a delação premiada dele lá. É… Por 10 anos abasteceu com o dinheiro do narcotráfico Lula da Silva, Cristina Kirchner, Evo Morales. Né? Essa turma toda que cês conhecem.

E… Eu tô… Eu tenho que ter bastante calma, tranquilidade, e vou entrar em detalhes com vocês daqui a pouco. É… Tem um vídeo aqui agora, até chegar o deputado aqui que me interessa ele vir conversar… Tá pronto o vídeo, Cid? Eu vou mostrar um vídeo aqui que esse Brasil é um país de 90% de cristão. Além disso, de narcotráfico, desvio, roubo etc., tem mais essa outra questão.

(…) Nós vamos esperar chegar 23, 24, pa [sic] se fuder? Depois perguntar: por que que não tomei providência lá trás? E não é providência de força não, caralho! Não é dar tiro. Ô Paulo Sérgio, vou botar a tropa na rua, tocar fogo aí, metralhar. Não é isso, porra!
Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar, ele vai vim [sic] falar para mim porque que ele não quer falar. Se apresentar onde eu estou errado, eu topo. Agora, se não tiver argumento pra me ti… demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Tá no lugar errado.
Se tá achando que eu vou ter 70% dos votos e vou ganhar como ganhei em 2018, e vou provar como que eu ganhei, o cara tá no lugar errado. Aqui não tem ninguém com… com QI mediano aqui dentro. Todo mundo aqui eu acho que tá nos 5% de pessoas mais inteligentes ou mais bem sucedidas… é… do Brasil. (…)
O general reformado Mario Fernandes, então secretário-executivo da Presidência da República no governo Bolsonaro, também defende na reunião que “uma alternativa seja tomada” antes da eleição, que, para ele, seria vencida “por quem a fraude determinar”.

Fernandes manifesta o desejo de definir se o formato do governo subsequente – portanto imposto – seria o de junta militar, como em 1964.

Ele diz a Bolsonaro e aos demais ministros:

Daqui a pouco nós estamos nas vésperas do primeiro turno, e aí, com a própria pressão internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem menor.

A população vai começar a acreditar que ‘não, então tá tranquilo, o governo não tomou a medida mais radical, tá tranquilo…’ então acho que, realmente, nós precisamos ter um prazo para que isso aconteça e não, para que eles raciocinem que é importante avaliar essa possibilidade, mas principalmente, para que uma alternativa seja tomada, como o senhor mesmo disse, antes que aconteça. Porque no momento que acontecer, é 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar?

Em seguida, Fernandes se refere ao eventual governo Lula (como ficaria claro por seu modo de falar em outras mensagens, nas quais também se referia a ele como atraso):

É um atraso de tudo o que se avançou no país? Porque isso vai acontecer. O país vai ser todo desarticulado.”

Fernandes volta a defender uma ação prévia à eleição.

Então, tem que ser antes. Tem que acontecer antes. Como nós queremos. Dentro de um estado de normalidade. Mas é muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país pensando assim, pra que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior da conturbação no ‘the day ater’, né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar.

Na mesma reunião, o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), também defende que, “se tiver que virar a mesa, é antes das eleições“.

Virar a mesa, como até a Wikipédia define, é a atitude antidesportiva de quem, ao estar sendo derrotado num jogo de cartas ou de tabuleiro, mistura propositalmente as cartas ou peças, impedindo o seu prosseguimento. A aplicação do termo se estendeu a qualquer mudança súbita de regras, provocada por interesses circunstanciais ou casuísticos, buscando favorecer alguém em detrimento de outrem.

Heleno começa sua fala anunciando que ele e o então diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Victor Felismino Carneiro, vão montar um esquema de acompanhamento dos “dois lados”, mas, quando manifesta temor de vazamento, Bolsonaro o interrompe, não para repudiar a operação clandestina, mas para evitar que haja vazamento antecipado. O então presidente orienta Heleno a falar com ele em particular, em outra sala, sobre esse tema.
Heleno: “Dois pontos que eu quero tocar aqui, presidente. Primeiro, o problema da inteligência. Eu já conversei ontem com o Victor [Felismino Carneiro], que é o novo diretor da Abin [Agência Brasileira de Inteligência]. Nós vamos montar um esquema para acompanhar o que os dois lados estão fazendo. O problema todo disso é se vazar qualquer coisa. Muita gente se conhece nesse meio e, se houver qualquer acusação e infiltração desses elementos da Abin em qualquer dos lados…
Bolsonaro: “Ô general, eu peço que o senhor não fale, por favor. Não prossiga mais na tua observação aqui. Eu peço que não prossiga na tua observação! Se a gente começa a falar ‘não vazar’, esquece, pode vazar. Então a gente conversa em particular, na nossa sala, sobre esse assunto, o quê que porventura a Abin está fazendo. Tá?
O general, então, pula para o segundo ponto, alertando que, depois das eleições, “será muito difícil” ter “nova perspectiva”. O então chefe do GSI não usa a palavra fraude, mas diz que “eles vão fazer tão bem feito” que será “fim de papo”.

Heleno: “O segundo ponto, que precisa ficar bem claro, é que não tem VAR, não vai ter segunda chamada da eleição. Não vai ter revisão do VAR, então o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições.

Depois das eleições, será muito difícil que tenhamos alguma nova perspectiva, até porque eles vão fazer tão bem feito que essa conversa do [ministro Luiz Edson] Fachin foi exatamente com os embaixadores para que elimine as possibilidades do VAR acontecer, né, no dia seguinte todo mundo reconhece [o resultado anunciado] e fim de papo.
Então isso aí tem que ficar bem claro. Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar um ponto em que nós não vamos poder mais falar, nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas, isso pra mim é muito claro.”
27 de outubro de 2022

Bolsonaro perde o segundo turno da eleição presidencial para Lula.

1 de novembro de 2022

Mario Fernandes pede ao coronel Roberto Raimundo Criscuoli o contato do delegado Victor César Carvalho dos Santos, à época superintendente da PF do DF.

O interesse de Fernandes é que chegue a Victor uma certa denúncia considerada “importante”.

O ministro da justiça [sic]”, à época Anderson Torres, “já me garantiu que ele mesmo vai assumir esse caso aí pra investigar, porque realmente parece que existe verdade no que o cara tá dizendo. Agora, a estratégia do presidente, que a gente vai conhecer agora no pronunciamento dele, é que vai…”

A frase é interrompida, mas se entende que Fernandes aguarda o pronunciamento de Bolsonaro para definir os rumos. De todo modo, afirma que o efeito da denúncia pode vir depois da fala do então presidente: “mesmo a denúncia depois do pronunciamento, ela vai surtir efeito.

Criscuoli acha que, por enquanto, estrategicamente, Bolsonaro deve aceitar o resultado “para não se queimar, para não ser denunciado”, mas depois, com “o povo na rua” e “essas denúncias”, “tomar uma outra atitude”.

Eis o trecho de sua resposta:

Eu creio que o presidente deve se posicionar que aceita o resultado, pararí, parará e depois com as repercussões, tanto o povo na rua quanto essas denúncias, ele tomar uma outra atitude. Eu acho que é isso também, eu acho que é isso que ele tem que fazer. Quem sou eu para dizer isso, né, na fila do pão? Mas eu acho que o certo seria esse. Eu estou mobilizando o pessoal aqui, tranquilo, o pessoal me pergunta, eu digo, olha, minha opinião é essa. Então eu acho que ele deve partir para esse rumo, sim, é o que ele tem que fazer aqui, que eu acho. Para não se queimar, para não ser denunciado como… Ele tem que aceitar o resultado, ele tem que aceitar o resultado da urna. Enquanto a urna não for descredenciada, ele tem que aceitar. Eu concordo com isso. Não sei se é isso que ele vai fazer, espero que seja. Mas tranquilo, deixa que o meu pessoal eu vou controlando aqui. Esse pessoal que está aí, eu controlo daqui. Pode deixar que eu tenho uma boa ação sobre eles.

Horas depois, Criscuoli avisa a Mario que teve o “feedback” sobre o encaminhamento da denúncia, que “foi tudo muito bem”, “excepcionalmente bem”.

Fernandes responde: “Ok, eu já recebi o retorno do meu representante que estava acompanhando lá. É exatamente isso aí. Eu já tenho algumas ações projetadas para amanhã. Te mantenho informado. Tá ok? Excelente, cara. Vamos ver como é que a gente vai evoluir.

Enquanto isso, no mesmo dia, Bolsonaro participa de reunião com os chefes das Forças Armadas, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, além do Advogado-Geral da União, Bruno Bianco, na qual autoridades presentes, segundo depoimento posterior do comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., “expuseram” ao então presidente “que não tinha ocorrido fraudes nas eleições”; “que todos os testes realizados não constataram qualquer irregularidade e que era preciso reconhecer o resultado das eleições, com o objetivo de acalmar o país”.
Bolsonaro “perguntou ao então AGU se haveria algum ato que se poderia fazer contra o resultado das eleições”; mas “Bruno Bianco expôs que as eleições transcorreram de forma legal, dentro dos aspectos jurídicos” e “que não haveria alternativa jurídica para contestar o resultado das eleições”.

Baptista Jr., neste momento, “achou que o ambiente estava controlado, que não haveria qualquer tentativa de reverter o resultado das eleições”; mas foi chamado para mais reuniões nas semanas seguintes, como veremos adiante.

4 de novembro de 2022

O coronel Roberto Raimundo Criscuoli se cansa de esperar e defende, em mensagem a Mario Fernandes, que os militares tomem a “rédea” agora, enquanto eles têm “uma justificava”, o “apoio maciço” do “povo”, para a “guerra civil”.

Para Criscuoli, vai ficar “feio” esperar “esse cara” – o presidente eleito, Lula – “destruir o Exército”, “destruir tudo”, para só então agir “por interesse próprio”, “aí não vale”.

Em relação a Bolsonaro, ele avalia que “o presidente não pode pagar pra ver também”.

Eis a primeira parte da mensagem:

Mario, eu tava até conversando agora com o pessoal aqui, cara. Se nós não tomarmos a rédea agora, depois eu acho que vai ser pior. Na realidade vai ser guerra civil agora ou guerra civil depois. Só que a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço. Daqui a pouco nós vamos entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara vai destruir o exército, vai destruir tudo.

Aí o povo vai dizer assim, agora que mexeram com você, vocês vão pra rua. Você resolve tomar, então vai ficar feio. Porque ele vai destruir todo o exército, ele vai mandar todos os quatro estrela embora. Vai ficar com o Gedias e alguns outros aí. Cara, não vai ficar legal, cara. É melhor ir agora. Que o povo tá na rua e pedindo que daqui a pouco nós vamos ir por interesse próprio. Aí não vale. Aí eu não vou. Aí eu não vou. Então a hora de ir é agora, cara.
Também concordo com esse texto que tu mandou. Tô dentro. Mas tem que ir agora que o povo está pedindo. Não porque eu vou mandar os generais pra reserva. Então eu acho que essa decisão tem que ser tomada urgente, cara. E o presidente não pode pagar pra ver também, cara.
Na segunda parte, Criscuoli defende “virar o jogo” antes que o Brasil vire uma Venezuela, com Lula no poder. E fala abertamente em adotar uma conduta antidemocrática: “Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata mais agora.”

Cansado até de explicar a apoiadores civis que as providências ainda estão sendo tomadas, ele pede a Fernandes que fale com Bolsonaro que a hora de agir é essa.

Eis o trecho:

Ele vai destruir o nosso país, cara. O argentino já teve aqui com o chapéu na mão, vai esperar virar uma Venezuela pra virar o jogo, cara? Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata mais agora. Ah, não vou sair das quatro linhas. Acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas. O povo na rua tá pedindo, pelo amor de Deus. Vai dar uma guerra civil? Vai dar. Eu tenho certeza que vai dar. Porque os vermelhos vão vir feroz. Mas nós estamos esperando o quê? Dando tempo pra eles se organizarem melhor? Pra guerra ser pior? Irmão, vamos agora.

Fala com o 01 aí, cara. É agora. Hoje eu tô dentro. Amanhã eu não tô mais, não. Amanhã é o que eu quero dizer daqui a pouco. Por interesses outros eu não vou. Nem eu e nem a turma daqui. Um saco cheio de explicar pro civil que as coisas estão sendo tomadas, que tem um cara lá que tá fazendo isso, tem um pessoal que vai falar, tem um pessoal que tá acusando, estamos pegando prova. Porra, não dá mais, cara. Não dá mais. Não dá mais pra ter prova, não. Quer mais prova do que já teve? E o povo tá na rua pedindo. Vambora, pô. Pau.”
No mesmo dia 4, Mario Fernandes também conversa com outro coronel, Reginaldo Vieira de Abreu, o “Velame”.

Ambos se mostram interessados na utilização da “live argentina” como uma forma de alegar fraudes nas eleições.

Na live, exibida no YouTube na tarde do próprio dia 4, o ativista argentino Fernando Cerimedo – amigo de Eduardo Bolsonaro que já havia apoiado o pai do deputado federal em 2018 – disse ter recebido um relatório com suposta auditoria que aponta que cinco modelos de urnas eletrônicas usadas na eleição registraram mais votos para Lula do que para Bolsonaro. De acordo com sua narrativa, esses modelos mais antigos não foram submetidos aos testes de segurança dos modelos de urnas de 2020.

O Tribunal Superior Eleitoral ordenaria no dia seguinte a remoção da live e desmentiria o conteúdo do dossiê apócrifo, destacando que aqueles modelos já haviam sido testados seis vezes ao longo dos anos, quatro delas antes das eleições vencidas por Bolsonaro em 2018, quando eles também foram usados na votação.
Não é verdade que os modelos anteriores das urnas eletrônicas não passaram por procedimentos de auditoria e fiscalização. Os equipamentos antigos já estão em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizados nas Eleições 2018. Nesse período, esses modelos de urna já foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e cinco edições do Teste Público de Segurança (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021)”, diz a nota.
Segundo o TSE, o software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos mais novos.

Por fim, ressalta-se que todas as urnas são auditadas e elas são um hardware, ou seja, um aparelho. O que importa é o que roda dentro dela, ou seja, o programa, que ficou aberto por um ano para todas as entidades fiscalizadoras. O software da urna é único em todos os modelos, tendo sido divulgado, lacrado e assinado”, afirma o tribunal.

Não só o TSE refutaria a “live argentina”, mas também o então comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., como veremos mais adiante.

Mas o general Mario Fernandes e o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, o “Velame”, estão em busca de uma narrativa que sirva como “batom na cueca”, para justificar a virada de mesa.

Segue a primeira parte do diálogo.

Coronel Vieira de Abreu: “Força, Kid Preto! Essa apresentação do pessoal da Argentina, o nosso relatório do exército tem que estar no mínimo, no mínimo, alinhado com eles. Pra dar… veracidade ao nosso. Não pode estar… não pode estar dizendo que não tem nada. No mínimo tem que ser igual o dos caras pra… ser o tal do batom na cueca, se nada aparecer até lá.”

General Fernandes: “Não, Velame, essa apresentação da Argentina tá bem alinhada com o relatório que aquele grupo Convergências, do Célio, que eu tô acompanhando, lá de São Paulo, fez. Ele me mandou o relatório de novo, com algumas observações, e um resumo da live da Argentina. Eu já mandei pro Vergara e pro… Pro General Laerte cara. Porra, é exatamente isso, cara.

É exatamente isso. Essa porra é batom na cueca, como tu costuma dizer, porra. Força.”

Entre a primeira e a segunda partes do diálogo com Vieira de Abreu, Mario Fernandes envia um áudio para o General Luiz Eduardo Ramos, então ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Fernandes cita novamente a “live argentina” como prova de fraude eleitoral (“tá na cara que houve fraude, porra”) e pede ao ministro “uma forçada de barra com o alto comando” das Forças Armadas.

Cobra atuação “nem que seja pra divulgar e inflamar a massa”, “pra que ela se mantenha nas ruas”, turbinando o “clamor popular, como foi em 64”, a fim de que o alto comando finalmente embarque na “intervenção”, já que o do Exército “não está muito disposto”.

Eis a mensagem enviada a Ramos:

Força, Kid Preto. O senhor me permita mandar o áudio, general. Mas, porra, general, o senhor deve ter assistido a live argentina. Porra, caíram todos os vídeos, caíram todos os sites no ar. Porra, o nego tá atacando essa merda. E, general, porra, eu vou mandar aqui pro senhor… Eu já mandei pro General Laerte e pro Vergara. Certo? O MD assistiu a live. Eu vou mandar pro senhor um relato rápido do resumo dessa live argentina. Quem diria que, porra, um reforço à solução do nosso país viesse de los hermanos.
Mas Kid Preto, porra, por favor, o senhor tem que dar uma forçada de barra com o alto comando, cara. Com o General Freire Gomes, com o General Paulo Sérgio, porra. Cara, o relatório do MD, ele não pode ser diferente do que disse essa live argentina. E eu tenho certeza, pelo que o Vergara me disse, as conclusões são as mesmas. Isso é impactante, essa porra. Tá na cara que houve fraude, porra.
Tá na cara, não dá mais pra gente aguentar esta porra, tá foda. Tá foda. E outra coisa, nem que seja pra divulgar e inflamar a massa. Pra que ela se mantenha nas ruas, e aí sim, porra, talvez seja isso que o alto comando, que a defesa quer. O clamor popular, como foi em 64.
Porque como o senhor disse mesmo, porra, boa parte do alto comando, pelo menos do exército, não tá muito disposto, né. Ou não vai partir pra intervenção, a não ser que, pô, o start seja feito pela sociedade, porra. Pô, general, reforça isso aí. Eu tô fazendo meu trabalho junto à brigada e ao pessoal de divisão da minha turma, cara. Força, Kid Preto.
Um bom final de semana, e que esse final de semana e a próxima semana nos tragam um acalento [sic]. A gente tá precisando.

Segundo a PF, “aparentemente a mensagem não teve resposta” do general Ramos.

Já a conversa de Mario Fernandes com o coronel Reginaldo Vieira de Abreu continuou. A segunda parte dela contém uma das falas mais emblemáticas deste período histórico.

O coronel Vieira de Abreu defende, de um lado, “montar uma narrativa em cima disso tudo e botar pra fuder”, usando até “os adidos militares nas embaixadas para fazer propaganda e cooptar a população lá fora” e “a mídia internacional”; de outro, que Bolsonaro descarte a presença do “pessoal acima da linha da ética” e reúna somente a “Rataria” (termo que, segundo dicionários comuns, denota “um grande número de ratos”; e, segundo dicionário de gírias militares, remete a “fazer as coisas escondido, na malandragem”) em “Petit comité” (termo de origem francesa que significa “pequeno grupo”, bem selecionado, escolhido a dedo), para “debater o que que vai ser feito”.
Eis as mensagens do autoproclamado rato, que queria cooptar o povo brasileiro com propaganda enganosa de um argentino, usando até oficiais das Forças Armadas lotados em representações diplomáticas do Brasil.

Coronel Vieira de Abreu: “Kid Preto, com o que nós temos, esses dois relatórios, se deixar na mão do General Vergara não vai sair nada. Nada. É… Tem que montar uma narrativa em cima disso tudo e botar pra fuder, Kid Preto. Não pode passar de domingo.

Kid Preto, o presidente, ele tem que fazer uma reunião Petit comité. pessoal ia fazer uma reunião essa semana, o comandante do exército, aí chegou Paulo Guedes, chegou o pessoal da TCU, da AGU, aí não pode, tem esse pessoal, é… Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião, tem que ser Petit comité, pô.
Tem que ser a Rataria, ele e a Rataria. Com o comandante do exército, mas Petit comité, essa galera não pode estar aí, porra, aí tem que debater o que que vai ser feito.

Tem que usar os adidos militares nas embaixadas para fazer propaganda e cooptar a população lá fora. A mídia internacional. Tem que usar o adido, não o embaixador.

5 de novembro de 2022

O coronel Reginaldo Vieira de Abreu encaminha um áudio para Mario Fernandes, repudiando o respeito às “quatro linhas”, jargão futebolístico usado por Bolsonaro para se referir a (ou posar de defensor de) uma atuação alegadamente dentro dos parâmetros da legalidade.

Eis a mensagem em que ele defende, também, uma primavera brasileira, nos moldes da árabe:

O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o caceta. Nós estamos em guerra, eles estão vencendo, está quase acabando e eles não deram um tiro por incompetência nossa.

Incompetência nossa, é isso. Estamos igual o sapo, a história do sapo na água quente. Você coloca o sapo na água quente, ele não sente a temperatura da água mudar e vai se aumentando, aumentando, aumentando quando vê ele tá morto. É isso.

Eu lembro o senhor a primavera árabe, eu vou lhe mandar um… Vou lhe mandar um documento para o senhor ler falando sobre a primavera árabe que houve, que a população se movimentou através das redes sociais e os governos bloquearam as redes sociais, então os países de fora colocaram os provedores à disposição para que ocorresse a primavera árabe. Tem que ter a primavera brasileira.”
7 de novembro de 2022

O general da reserva Eduardo Pazuello, eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, reúne-se com Bolsonaro para, segundo relatório posterior da PF baseado em relato de Mauro Cid, “dar sugestões e ideias de como ele poderia, de alguma forma, tocar o artigo 142“, então citado por bolsonaristas para defender um alegado poder moderador das Forças Armadas.

“O diálogo já demonstra uma atuação do deputado federal Eduardo Pazuello no sentido de propor uma ruptura constitucional, com fundamento em uma interpretação anômala do artigo 142 da Constituição. Nesse sentido, o colaborador Mauro Cid afirmou, em acordo de colaboração, que o general Pazuello integraria o grupo de radicais que queriam reverter o resultado das eleições“, registraria a PF.
8 de novembro de 2022

Mauro Cid envia um áudio ao então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, sobre a reunião de Bolsonaro com Pazuello no dia 7, entre outras visitas recebidas pelo então presidente.

Indagado pela PF sobre “quais providências tomou em relação às ações promovidas” por Pazuello “de tentar utilizar o art.142 da Constituição Federal como fundamento jurídico para uma ação militar, visando impedir a posse do governo eleito”, Freire Gomes responderia que, como o general já estava na reserva e eleito deputado, “entendeu que seria uma questão política, sem possibilidade de influenciar diretamente as Forças Armadas” e que “tal proposta não teria qualquer respaldo” delas.

9 de novembro de 2022

Mario Fernandes, segundo a Polícia Federal, cria o “Planejamento – Punhal Verde e Amarelo” em arquivo Word.

O então secretário-executivo da Presidência imprime o planejamento e leva a versão impressa até o palácio do Alvorada, local de residência do então presidente Jair Bolsonaro.

O documento detalha planos de ação coletiva armada contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin, além de um quarto alvo não identificado.

O texto se divide em 4 tópicos:
  • “1. Demandas de Rec Op” [Reconhecimento Operacional];
  • “2. Demandas para a Prep” [Preparação] “e Condução da Ação”;
  • 3. Demandas de Pes” [Pessoal]; e
  • 4. Condições de Execução”.

Os três primeiros tópicos listam, entre outros subitens, locais de frequência e estadia de Moraes; efetivo, armas e equipamentos da segurança pessoal do ministro; estimativas de baixas resultantes da ação e de tempo de preparação e execução dela; além de efetivo, armas e equipamentos para a sua realização (incluindo coletes balísticos, celulares, munições, pistolas, fuzis, metralhadora, granadas, lança-granada, lança-rojão).

Entre os subitens do quarto tópico, há referência ao monitoramento em curso das atividades de Moraes, rastreado em outras dezenas de páginas do relatório da PF com análise das trocas de mensagens entre os operadores e do cruzamento de dados de localização.

– Os Rec [trabalhos de reconhecimento operacional] já estão em curso, com dificuldades relativas, principalmente, ao Comboio de Segurança do Alvo e os Protocolos de Segurança que o mesmo já vem adotando há algum tempo.”

O item seguinte mostra a natureza da ação planejada, ao citar tiros, munição e/ou explosivo. Embora não mencione que os disparos seriam feitos contra Moraes (em tese, poderiam ser usados para furar a “bolha” de sua segurança pessoal e sequestrar o ministro), a interpretação de que o plano visa o seu assassinato se reforça com a alternativa indicada de “envenenamento”, relacionada ao “cumprimento da Missão”.
“- Algumas Psb [possibilidades] já foram levantadas para a Ag Pcp [ação principal], entretanto, ainda são necessárias avaliações quanto aos locais viáveis, condições para execução (tiro à curta, média ou longa distância, emprego de munição e/ou artefato explosivo), possibilidades de reforço (PF) e proteção do alvo, bem como a intervenção de outras Forças de Segurança.
  • Outra possibilidade foi levantada para o cumprimento da Missão, buscando com elemento químico e/ou biológico, o envenenamento do Alvo, preferencialmente, durante um Evento Oficial Público. O nosso Rec também está levantando as condições para tal L Aç [Linha de Ação].”

Os itens seguintes tratam de Lula e Alckmin sob os codinomes Jeca e Joca, respectivamente, indicando também um plano de assassinato, já que cita “envenenamento” do presidente e aponta que a “neutralização” do vice “extinguiria a chapa vencedora”. Confunde apenas o atual partido de Alckmin, trocando PSB por PSDB, legenda em que ficou conhecido.

– Na análise realizada, também foram levantados outros Alvos possíveis, cuja sensibilidade no momento e suas respectivas Seg Pes [Seguranças Pessoais] não restringem tanto a uma ação de neutralização:
  • Jeca (considerando a vulnerabilidade de seu atual estado de saúde e sua frequência a hospitais – Envenenamento ou uso de química / remédio que lhe cause um colapso orgânico, a sua neutralização abalaria toda a Chapa vencedora, colocando-a, dependendo da interpretação da Lei Eleitoral, ou da manobra conduzida pelos 3 Poderes, sob a tutela principal do PSDB);
  • Joca (considerando a inviabilidade do 01 eleito, por questão saúde, a sua neutralização extinguiria a Chapa vencedora). Como reflexo da ação, não se espera grande comoção nacional.”

O último item do plano cita o quarto alvo, não identificado, como membro da esquerda radical.

Juca (como Iminência Parda do 01 e das lideranças do futuro Gov, a sua neutralização desarticularia os Planos da Esquerda mais radical). Como reflexo da ação, não se espera grande comoção nacional.”

A PF descreve o documento “Punhal Verde Amarelo” como “um verdadeiro planejamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para executá-lo em uma operação de alto risco”.

No mesmo dia 9, o Relatório de Fiscalização do Sistema eletrônico de Votação, elaborado pela equipe do Ministério da Defesa, com integrantes militares, fica pronto.

Em “reunião para apresentação do relatório aos Comandantes das Forças”, discute-se então “a forma de encaminhamento”, como confirmaria o comandante da Aeronáutica em depoimento à PF, ressaltando que “não existiu qualquer fraude relacionada ao sistema eletrônico de votação”.

Baptista Jr. contaria que “foi aventada a possibilidade dos três Comandantes das Forças assinarem o ofício de encaminhamento”, mas que “os Comandantes declinaram de assinar o ofício, pois a participação das Forças Armadas era estritamente técnica”; e que “foi assim decidido para deixar claro que as considerações de nível político ficariam a cargo do Ministério da Defesa”.

A consideração de nível político introduzida pelo governo Bolsonaro ficará clara no fim do próximo tópico.

10 de novembro de 2022

Mario Fernandes envia um áudio ao coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, membro da equipe de ajudância de ordens de Bolsonaro, comandada por Mauro Cid.

Fernandes relata sua atuação junto a outras pessoas para levantar informações contra o pleito eleitoral, a fim de “fazer chegar lá pro MD”, ou seja, o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

Ele diz ter enviado o mesmo relato para o comandante do Exército, na época Marco Antônio Freire Gomes (que se recusaria a topar um golpe de Estado, como veremos).

Curiosamente, Fernandes confessa que está “aloprando”, mas não muda de comportamento: diz ter sugerido a Bolsonaro que coloque o general Walter Braga Netto novamente no comando do Ministério da Defesa (cargo que o vice da chapa derrotada havia ocupado em 2021 e parte de 2022), a fim de ter “um apoio mais efetivo”, já que Braga Netto “tá indignado”.

Fernandes admite que “vão alegar” que Bolsonaro está “mudando isso pra dar um golpe”, mas defende a mudança assim mesmo, afirmando que nenhuma solução “vai acontecer sem quebrar ovos, né, sem quebrar cristais”.

Eis o trecho final da mensagem:

Tá, e olha só, eu aproveitei e te mandei aí acima uma mensagem que eu elaborei e mandei pro comandante do exército. Cara, eu tô aloprando por aqui. E eu queria que tu reforçasse também, pô, eu falei com o Cordeiro [Sergio Rocha Cordeiro, então assessor de Bolsonaro] ontem, falei com o presidente.

Porra, cara, eu tava pensando aqui, sugeri o presidente até, porra, ele pensar em mudar de novo o MD, porra. Bota de novo o General Braga Neto lá. General Braga Neto tá indignado, porra, ele vai ter um apoio mais efetivo. Reestrutura de novo, porra. Ah, não, porra, aí vão alegar que eu tô mudando isso pra dar um golpe. Porra, negão. Qualquer solução, Caveira, tu sabe que ela não vai acontecer sem quebrar ovos, né, sem quebrar cristais.
Então, meu amigo, parti pra cima, apoio popular é o que não falta. E, porra, tem que tomar cuidado, cara. Ontem eu fiquei preocupado com a saúde do presidente, cara. Porra, ele (ininteligível) escrota, ele tossindo, porra, ele tem que se cuidar, cara. E levantar a cabeça, porra. Partir pra cima. Ainda que seja caindo, porra, ele vai cair de pé, porra, altivo como sempre esteve. Um abraço, Caveira. Força.
No mesmo dia 10, um dia após a entrega do Relatório de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação, o Ministério da Defesa divulga uma nota que mantém no ar a possibilidade de fraude, apesar de nenhuma ter sido encontrada: “embora [o Relatório] não tenha apontado também não excluiu a possibilidade de existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”.
O comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., diria em depoimento à PF que “não foi consultado sobre a divulgação da nota”; “a nota foi de responsabilidade exclusiva do Ministério da Defesa”“acredita que nenhum dos representantes da Aeronáutica, que compunham a Comissão, foi consultado”.

11 de novembro de 2022

Os comandantes das Forças Armadas divulgam a seguinte nota à imprensa em forma de carta:

Às Instituições e ao Povo Brasileiro

Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.

A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.

Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: ‘Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais’.

Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.
A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que ‘Dele’ emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.
Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.
A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.

Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo”.

Sobre a carta, o então comandante do Exército, Freire Gomes, diria à PF que eles “tinham o objetivo de passar uma mensagem de pacificação à população e às instituições; QUE queriam demonstrar que as Forças Armadas atuaram com isenção no processo eleitoral e que o foro adequado para a discussão seria o Congresso Nacional e não as instalações militares; QUE entenderam que precisavam dar uma resposta institucional à sociedade como um todo”.
No mesmo dia 11, no entanto, Mauro Cid encaminha para Freire Gomes uma mensagem de áudio por meio do aplicativo UNA, em que comenta a “Carta das Forças Armadas”.

No áudio, o então ajudante de ordens de Bolsonaro, distorcendo o conteúdo da carta, destaca a importância dela para manutenção e intensificação das manifestações contra o resultado das eleições presidenciais, inclusive pora deslocar essas manifestações para a Praça dos Três Poderes, especialmente para o STF e para o Congresso Nacional – um indicativo prévio dos atos que seriam concretizados em 8 de janeiro de 2023.

Mauro Cid diz:

“Então, com a Carta das Forças Armadas, o pessoal elogiou muito, eles estão se sentindo seguro [sic] pra dar um passo à frente. Então, os organizadores dos movimentos vão canalizar todos os movimentos previstos (inaudível) o dia 15 como ápice, a partir de agora, lá pro Congresso, STF, Praça dos Três Poderes basicamente”.

Em seguida, Mauro Cid descreve que os movimentos “estão sentido o respaldo das Forças Armadas, porque agora esses movimentos, e é o que os caras querem, eles vão botar o nome deles no circuito pra aparecer lideranças que puxa o movimento pro, pro, pro, pro, pro STF e pro…. para o Congresso”.
Por fim, o então ajudante de ordens de Bolsonaro descreve o sentimento de que, caso houvesse uma decisão judicial proferida por Alexandre de Moraes contra os manifestantes, como “retaliação“, as Forças Armadas iriam garantir a segurança deles.

Mauro Cid diz:

Então, os caras vão colocar o nome deles é… à frente disso aí. E aí o medo deles é retaliação por parte do Alexandre Moraes. Então, no entendimento deles, essa carta significa que as forças armadas vão garantir a segurança deles. Manifestação pacífica é livre. Então, se eles forem lá e forem presos as Forças Armadas vão garantir a segurança deles”.

Freire Gomes diria à PF que toda essa “tal interpretação foi dada de forma equivocada; QUE o objetivo era demonstrar que as manifestações não deveriam ocorrer em frente às instalações militares e sim no âmbito do Poder Legislativo”.

INDAGADO se o Depoente se comprometeu a soltar ou proteger os manifestantes simpatizantes ao presidente JAIR BOLSONARO caso os mesmos fossem presos durante as manifestações, respondeu QUE não; QUE jamais teve contato com manifestantes; QUE nunca fez tal afirmação”, diria o relatório.

INDAGADO por qual motivo não adotou providências ou determinou aos seus subordinados que agissem para desmobilizar os acampamentos em frente as instalações militares, respondeu QUE não havia suporte jurídico para remoção das manifestação naquele momento; QUE nunca houve uma ordem judicial para remoção das manifestações; QUE com base no parecer 484/2019/CONJUR-IMD/CGU/AGU, o entendimento jurídico era de que o Exército tinha apenas o poder de Polícia Administrativa para atuar na preservação do patrimônio da instituição e na integridade física e circulação das pessoas que trabalhavam nas instalações militares; QUE esse era o entendimento das três Forças”.
12 de novembro de 2022

Uma reunião é realizada na residência do general Walter Braga Netto, vice de chapa à presidência com Bolsonaro em 2022.

Participam dela, também, o tenente-coronel Mauro Cid, o major Rafael de Oliveira e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima.

Segundo a PF, “o planejamento operacional para a atuação dos ‘kids pretos’ foi apresentado e aprovado” nesta reunião.

14 de novembro de 2022

Bolsonaro entrega ao comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., em reunião no Palácio da Alvorada, a versão impressa do “estudo” do Instituto Voto Legal – IVL que embasaria o pedido do PL, partido do então presidente, no dia 22, para anulação dos votos.

O documento apresenta a narrativa disseminada pelo argentino Fernando Cerimedo na live do dia 4, mas seu conteúdo é logo refutado como um “sofisma”, ou seja, um raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa.

Como registraria a PF a partir do depoimento de Baptista Jr., “ao ler o relatório, o depoente ressaltou ao Presidente que o documento estava mal redigido e com vários erros técnicos e se tratava de um sofisma; QUE diante disso, o Presidente ligou para CARLOS ROCHA, Presidente do IVL, para que o depoente explicasse as inconsistências do estudo; QUE CARLOS ROCHA ouviu o depoente, sem questionar; QUE, em seguida, o depoente solicitou ao Coronel WAGNER para analisar o relatório do IVL; QUE o Coronel WAGNER identificou uma falha, reproduziu a falha e constatou que não haveria qualquer influência no resultado das eleições; QUE seria apenas uma pequena falha de programação; QUE haveria diversas outras formas de relacionar as tabelas do banco de dados, garantido a lisura do resultado eleitoral; QUE posteriormente, ratificou ao então Presidente da República, possivelmente, por meio do Ministério da Defesa, que o erro não geraria qualquer inconsistência no resultado das eleições; QUE não se tratava de uma fraude; INDAGADO se foi encontrada alguma irregularidade que colocasse em risco o resultado das eleições 2022, respondeu QUE, conforme exposto, não encontrou qualquer irregularidade”.
18 de novembro de 2022

Questionado por apoiadores de Bolsonaro ao deixar o Palácio da Alvorada sobre rumores de que o então presidente teria sido atendido no Hospital das Forças Armadas de Brasília, Braga Netto responde:

O presidente está bem. Inventaram história. O presidente está bem, recebendo gente e não tem problema nenhum. Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar para vocês. Tem que dar um tempo.”

21 a 24 de novembro de 2022

Registros de geolocalização de Rafael de Oliveira e Hélio Ferreira Lima, dois dos
kids pretos“, mostram ambos em localidades relacionadas a Moraes entre esses quatro dias.

A análise dos dados armazenados nos dispositivos apreendidos na fase ostensiva da presente investigação, combinada com outros elementos de prova, indica que as atividades de monitoramento do ministro Alexandre de Moraes já ocorriam no mês de novembro de 2022″, diz o relatório da PF.

6 de dezembro de 2022

Bolsonaro, Mauro Cid e Rafael de Oliveira e Mauro Cid estão ao mesmo tempo no Palácio do Planalto, como indicaria o rastreamento de mensagens e celulares feito pela PF.

No mesmo dia e horário, Mario Fernandes também está no Palácio do Planalto e imprime o planejamento “Punhal Verde e Amarelo“, que prevê ações contra Moraes, Lula e Alckmin.

7 de dezembro de 2022 (e uma data não confirmada de outra reunião)

No dia 7, Bolsonaro se reúne com chefes das Forças Armadas na biblioteca do Palácio da Alvorada e apresenta uma minuta de decreto para consumar um golpe de Estado com ares de legitimidade, como depois se depreenderia do depoimento do então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Fomes, à PF. Além deles, participam da reunião o então comandante da Marinha, Almir Garnier, e o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

Os ‘considerandos’, que seriam os ‘fundamentos jurídicos’ da referida minuta de decreto” são lidos por Filipe Martins, então assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, de acordo com o general Freire Gomes, segundo o qual Bolsonaro, nesta e em outras reuniões com os comandantes, “apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO [Garantia da Lei e da Ordem], estado de defesa e estado de sítio”.
O general relataria, porém, “que sempre deixou evidenciado” ao então presidente que “o Exército não participaria da implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral”.

A PF mostraria uma minuta de decreto a Freire Gomes, que confirmaria ter sido o mesmo documento apresentado a ele no dia 7.

Segundo a minuta (que lista de modo genérico decisões do TSE e do STF consideradas “inconstitucionais” e deixa um espaço para “tratar de forma breve” de outras):

  • os ‘guardiões da Constituição’, os Ministros do (…) STF, também estão sujeitos ao ‘Princípio da Moralidade’, inclusive quando promovem o ativismo judicial”.
  • o desmedido ‘ativismo judicial’ e a aparente ‘legalidade’ (…) não podem servir de pretextos para a desvirtuação da ordem constitucional pelos Tribunais Superiores”.
  • são normas e decisões aparentemente constitucionais, mas inconstitucionais (…) que colocam em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e de defesa às liberdades em nosso país”.
  • “Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato continuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”.

Ainda na reunião do dia 7, segundo Freire Gomes, Bolsonaro “informou ao depoente e aos presentes que o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos Comandantes”.

O então comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., não participa da reunião do dia 7, porque, como registraria a PF a partir de seu depoimento, “estava na cidade de Pirassununga/SP, na Academia da Força Aérea, proferindo aula para os cadetes”. Ele havia viajado às 8h30 da manhã e retornaria “para Brasília apenas no dia 12/12/2022”.

Mas Batista Jr. confirmaria à PF que Bolsonaro, em outras reuniões com a sua presença, teve a mesma iniciativa relatada por Freire Gomes: “apresentava a hipótese de utilização da Garantia da Lei da Ordem – GLO e outros institutos jurídicos mais complexos, como a decretação do Estado de Defesa para solucionar uma possível ‘crise institucional’.”
Baptista Jr. contaria que “tentava demover” o então presidente “de utilizar os referidos institutos jurídicos”; que “deixou claro” que “tais institutos não serviriam” para manter Bolsonaro “no poder após 1° de janeiro de 2023”; e que o então presidente “ficava assustado”.

O brigadeiro confirmaria não só que Freire Gomes “também tentava convencer o então presidente a não utilizar os referidos institutos”, mas que, depois de Bolsonaro “aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de algum instituto previsto na Constituição (GLO ou Estado de Defesa ou Estado de Sítio)”, o então comandante do Exército “afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o Presidente”.

Neste sentido, Freire Gomes também diria em depoimento “que inclusive chegou a esclarecer ao então presidente da República Jair Bolsonaro que não haveria mais o que fazer em relação ao resultado das eleições e que qualquer atitude, conforme as propostas, poderia resultar na responsabilização penal do então Presidente da República”.
Já o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, afirmou, segundo Baptista Jr., “que colocaria suas tropas à disposição de Jair Bolsonaro”, em posição “dissonante dos demais Comandantes (Exército e Aeronáutica)”. O relato também coincide com o de Freire Gomes.

Segundo o comandante do Exército, “em outra reunião no Palácio da Alvorada, em data em que não se recorda”, Bolsonaro ainda “apresentou uma versão do Documento com a Decretação do Estado de Defesa e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para ‘apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral’”.

Freire Gomes reforçaria que ele e Baptista Jr. “afirmaram de forma contundente suas posições contrárias ao conteúdo exposto” e que “não teria suporte jurídico para tomar qualquer atitude”.

Depois desta outra reunião, Mauro Cid fala a Freire Gomes da edição feita por Bolsonaro: “Ele enxugou o decreto, né. Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é, resumido, né.

Questionado a respeito da mensagem pela PF, Freire Gomes esclareceria que “houve uma primeira reunião em que foram apresentados os fundamentos jurídicos para a medida”; que “posteriormente ocorreu uma nova reunião em que o então presidente Jair Bolsonaro apresentou a minuta de decreto mais resumida”.

8 de dezembro de 2022

As linhas telefônicas utilizadas no evento “Copa 2022″ são ativadas. O título, que também deu origem a um grupo no aplicativo de troca de mensagens “Signal”, é utilizado para se referir à ação planejada contra Moraes.

Os agentes receberam codinomes associados a países – Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana – para evitar o rastreamento de suas identidades.

No dia 8, Mario Fernandes indica, em mensagem enviada a Mauro Cid, ter conversado pessoalmente com Jair Bolsonaro.

Os dados do controle de acesso encaminhados à PF confirmam que o general reformado, que tinha cargo na Secretaria-Geral da Presidência, esteve no Palácio da Alvorada no próprio dia 8, chegando às 17hs e saindo às 17h40min.

A julgar pelo relato de Fernandes, o então presidente disse a ele que 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula como presidente eleito, não seria a data-limite para qualquer ação contra o resultado eleitoral e que tal ação poderia acontecer até 31 de dezembro.

Fernandes avalia que, caso muito tempo seja esperado, o golpe pode restar frustrado, pois, a partir de 20 de dezembro, o Comando Militar seria “passado” para militares indicados pelo “eventual governo do presidiário”.

Eis a mensagem completa, enviada ao então ajudante de ordens de Bolsonaro:

Cid, boa noite. Meu amigo, antes de mais nada me desculpa estar te incomodando tanto no dia de hoje. Mas, porra, a gente não pode perder oportunidade. São duas coisas.

A primeira, durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades. E aí depois meditando aqui em casa, eu queria que, porra, de repente você passasse pra ele dois aspectos que eu levantei em relação a isso.

A partir da semana que vem, eu cheguei a citar isso pra ele, das duas uma, ou os movimentos de manifestação na rua, ou eles vão esmaecer ou vão recrudescer. Recrudescer com radicalismos e a gente perde o controle, né? Pode acontecer de tudo. Mas podem esmaecer também. Vou até te mandar um vídeo aqui abaixo da situação em frente ao PDC no Rio de Janeiro. Tá ok?
E o outro aspecto é que, pô, nós temos já passagens de comando dos comandos de força, força armada. Já 20, 20 e poucos. E aí já vão passar o comando para aqueles que estão sendo indicados para o eventual governo do presidiário. E aí tudo fica mais difícil, cara, para qualquer ação. Então esses dois aspectos são importantes, certo? Olha o vídeo aqui abaixo.”
No mesmo dia 8, em mensagem subsequente, Mario Fernandes relata que está agindo diretamente junto às forças, atuando para orientar tanto o pessoal do agro quanto caminhoneiros que estão no Quartel-General.

No final, Fernandes pede a Cid que leve o assunto a Bolsonaro, a fim de que o governo atue para segurar a PF, “notadamente”, segundo o relatório, “para evitar que eventuais ações do Poder Judiciário atinjam os manifestantes golpistas presentes no acampamento”.

Eis a mensagem completa:

E Cid, o segundo ponto é o seguinte, eu estou tentando agir diretamente junto às forças, mas, pô, se tu pudesse pedir para o presidente ou para o gabinete do presidente atuar.

Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG.

E hoje chegou para a gente que parece que existe um mandato [sic] de busca e apreensão do TSE não, do Supremo, em relação aos caminhões que estão lá.

Os caras não podem agir, é área militar, mas já andou havendo prisão realizada ali pela Polícia Federal.

Então isso seria importante, se o presidente pudesse dar um input ali para o Ministério da Justiça para segurar a PF ou para a Defesa alertar o CMP [Comando Militar do Planalto] e, porra, não deixa.

Pô, os caminhões estão dentro de área militar, os caras vieram aí, porra, estão há 30 dias aí deixando de produzir pelo Brasil e agora vão ter os caminhões apreendidos.

Cara, isso é um absurdo. Então, atento a isso, conversa com o presidente, cara.

Um grande abraço, força!

Em resposta, Mauro Cid informa que levará a questão a Bolsonaro e que o então presidente está esperando para ver os apoios que tem.

Cid reconhece o curto tempo para consumação de um golpe sem maior conturbação, afirmando que “teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada” até lá.

Eis a mensagem completa:

“Não, pode deixar, general. Vou conversar com o presidente. O negócio é que ele tem essa personalidade às vezes. Ele espera, espera, espera, espera pra ver até onde vai, ver os apoios que tem. Só que às vezes o tempo tá curto, não dá pra esperar muito mais passar.

Dia 12 seria… Teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada. E sobre os caminhões, pode deixar que eu vou comentar com ele, porque o exército não pode papar mosca de novo, né. E área militar, ninguém vai se meter. Até porque a manifestação é pacífica. Ninguém tá fazendo nada ali.
Ainda no dia 8, a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli interpela Carlos Baptista Jr. com a seguinte indagação, após a formatura dos aspirantes à oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), na cidade de Pirassununga/SP:

Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão.

O então comandante da Aeronáutica responde:

Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade.”

Em razão deste episódio, entre outros, Baptista Jr. relataria à PF “que as pressões para anuir a uma possível ruptura institucional não se limitaram às redes sociais”.

Ele também contaria ter relatado o episódio a Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e que o então ministro da Defesa disse “que foi abordado” pela deputada “de forma semelhante”.

9 de dezembro de 2022

Jair Bolsonaro rompe um silêncio de semanas desde a derrota eleitoral e fala a seus apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.

O então presidente mantém no ar a hipótese de ação coordenada com as Forças Armadas, justificando a demora com a explicação de que decisões que dependem de outros setores “são mais difíceis e devem ser trabalhadas”. A fala condiz com a avaliação feita por Mauro Cid na véspera, de que Bolsonaro está esperando “pra ver até onde vai, ver os apoios que tem”.

Eis o primeiro trecho:

Tenho certeza que, entre as minhas funções garantidas na Constituição, é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse, ao longo desses quatro anos, que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo. As Forças Armadas, tenho certeza, estão unidas. As Forças Armadas devem, assim como eu, lealdade ao nosso povo, respeito à Constituição, e são uns dos grandes responsáveis pela nossa liberdade.

Quantas vezes eu disse, ao longo desses quatro anos, que temos algo mais importante que a própria vida, que é a nossa liberdade. As decisões, quando são exclusivamente nossas, são menos difíceis e menos dolorosas. Mas quando elas passam por outros setores da sociedade, elas são mais difíceis e devem ser trabalhadas. Se algo der errado, é porque eu perdi a minha liderança. Eu me responsabilizo pelos meus erros, mas peço a vocês: não critiquem, sem ter certeza absoluta do que está acontecendo.”
No trecho seguinte, Bolsonaro posa de injustiçado, fala genericamente em absurdos e busca a cumplicidade dos apoiadores dizendo que “nós sabemos o que aconteceu ao longo desses quatro anos, ao longo do período eleitoral”. Ele não legitima o resultado. Refere-se apenas ao que “foi anunciado pelo TSE”.

“Obviamente, não estou aqui quebrando o silêncio. Estou falando algo que sempre disse a todos vocês. Alguns falam do meu silêncio. Há poucas semanas, se eu saísse aqui e desse bom dia, tudo seria deturpado, tudo seria distorcido. Todos nós sabemos o que aconteceu ao longo desses quatro anos, ao longo do período eleitoral e o que foi anunciado pelo TSE.

Nós estamos lutando — quando eu falo nós, sou eu e vocês — pela liberdade até daqueles que nos criticam. O Brasil não precisa de mais leis, o Brasil precisa que suas leis sejam efetivamente cumpridas. Nós temos assistido, dia após dia, absurdos acontecerem aqui em nossa pátria.”

Mais adiante, o então presidente lembra a reunião ministerial em que apontou, referindo-se ao Judiciário, como era fácil o país virar uma ditadura. A fala seguinte de Bolsonaro coloca o destino nacional nas mãos do “povo”, uma definição vaga que parece incluir somente os seus apoiadores, já que ele substitui o termo por “vocês”, ao apontar quem decide para onde vão ele próprio, as Forças Armadas, a Câmara e o Senado. É como se a suposta vontade popular de ocasião, mesmo que expressa fora dos mecanismos constitucionais e eleitorais, tivesse maior poder que todas as instituições.

E hoje estamos vivendo um momento crucial, uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro e para onde eu vou são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara, o Senado, são vocês também. Se temos críticas, erramos, não tivemos o devido cuidado para escolher a pessoa certa, mas as coisas vão mudando. Nada como o tempo para fazer cada um de nós melhor.
No mesmo dia 9, após o discurso de Bolsonaro, Mario Fernandes envia um áudio para Mauro Cid, desta vez comemorando que o então presidente aceitou o “nosso assessoramento“.

O general pede para que Cid transmita um texto para Bolsonaro, sobre como o pronunciamento reverberou entre os manifestantes, citando, como exemplo, Lucão, apelido de Lucas Rotilli Durlo, caminhoneiro que estava no QG do Exército, e um dos líderes do movimento.

Eis a mensagem completa de Fernandes:

Força, Cid. Meu amigo, muito bacana o presidente ter ido lá à frente ali do Alvorada e ter se pronunciado, cara. Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento. Porra, deu a cara pro público dele, pra galera que confia, acredita nele até a morte. Foi muito bacana mesmo, cara. Todo mundo vibrando. Transmite isso pra ele.

E vou te colocar aqui abaixo um texto que eu recebi do Lucão, que é o Duilio, que é um caminhoneiro famoso aí pra caramba, que tá lá no QG já há mais de 30 dias. E aí, porra, ele se emocionou, tava com a familia aí, e assistiu hoje lá in loco, presencialmente, as palavras do presidente, cara. Olha aqui o texto abaixo que ele mandou. Se tu avaliar que é coerente, mostra pro presidente também, cara. Força!
10 e 12 de dezembro de 2022

No dia 10, Marcelo Câmara encaminha quatro mensagens para Mauro Cid, com informações detalhadas sobre a cerimônia de diplomação de Lula, a ser realizada dia 12, incluindo a rota que seria usada por Moraes.

Durante a cerimônia, ambos trocam mensagens.

13 de dezembro de 2022

O prefixo telefônico associado ao codinome “Gana” se dirige de Goiânia para Brasília.

Os registros de geolocalização apontam que ele passa por locais relevantes para a ação que seria realizada em 15 de dezembro, como a residência funcional de Moraes.

14 de dezembro de 2022

Bolsonaro reúne, na sede do Ministério da Defesa, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira e os três então comandantes das Forças Armadas.

Paulo Sérgio apresenta aos presentes “a minuta de decreto que era mais abrangente do que a apresentada” por Bolsonaro em reunião anterior, “mas da mesma forma decretava o Estado de Defesa e instituía a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral”, como relataria Freire Gomes à PF.

O comandante do Exército reforçaria que, “da mesma forma”, ele e o Brigadeiro Baptista Jr. “se posicionaram contrários às medidas constantes na minuta do decreto, que impediria a posse do governo eleito”; e que o almirante Almir Garnier “não se manifestou sobre o conteúdo”.

A PF mostraria a Freire Gomes a minuta de decreto apreendida na residência de Anderson Torres que impõe Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e a constituição da Comissão de Regularidade Eleitoral.

O comandante do Exército confirmaria que essa minuta foi apresentada a ele, em reuniões ocorridas depois daquela do dia 7.

O texto da minuta já emula aspectos jurídicos formais, iniciando-se da seguinte maneira:

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições que lhe conferem os artigos 84, inciso IX, 136, 140 e 141 da Constituição, DECRETA:

Art. 1° Fica decretado, com fundamento nos arts. 136, 140, 141 e 84, inciso X, da Constituição Federal, o Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, Distrito Federal, com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social.”

Há depois uma série de artigos e incisos, entre os quais o seguinte:

Art. 5° A Comissão de Regularidade Eleitoral será composta por:
1- 08 (oito) membros do Ministério da Defesa, incluindo a Presidência;
III – 02 (dois) membros da Polícia Federal, ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal;
IV – 01 (um) membro do Senado Federal;
V – 01 (um) membro da Câmara dos Deputados;
VI – 01 (um) membro do Tribunal de Contas da União;
VII – 01 (um) membro da Advocacia Gerai da União; e
VIII – 01 (um) membro da Controladoria Geral da União
.”

Freire Gomes ainda diria à PF que “nas reuniões eram expostas as interpretações do jurista IVES GANDRA MARTINS de utilização das Forças Armadas como Poder Moderador, com base no art. 142 da Constituição Federal”; e que “expôs que não havia possibilidade de utilização do referido art. 142 da CF para emprego das Forças Armadas como um Poder Moderador”.

“INDAGADO se passou a receber ataques à sua honra e à de sua família, nas redes socias ou presencialmente, após a referida reunião, respondeu QUE sim; INDAGADO se passou a receber pressões para anuir a uma possível ruptura institucional, respondeu QUE sim”, diria o relatório sobre o depoimento de Freire Gomes.

No mesmo dia 14, o general Walter Braga Netto, vice na chapa presidencial derrotada, e o capitão reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros, eleito em 2022 deputado estadual suplente do Rio de Janeiro dizendo-se “o 01 do Bolsonaro”, “passam a realizar ataques” ao então comandante do Exército “por uma suposta postura de ‘Omissão’ e ‘Indecisão’”. Fazem isso em diálogos depois identificados pela PF no telefone celular de Ailton.

Braga Netto afirma: “a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do GEN FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”; “Oferece a cabeça dele. Cagão”.

Ailton completa: “Se FG tiver fora mesmo. Será devidamente implodido e conhecerá o inferno astral”.

Braga Netto também encaminha a Ailton uma foto da frente da casa de Freire Gomes com manifestantes pressionando pela anuência dele.

Freire Gomes confirmaria à PF que as falas de Braga Netto se devem ao fato de ele ter se “negado a anuir com o plano de ruptura institucional”; “são consequências das ameaças e pressões que o DEPOENTE sofreu por não anuir com o plano de Golpe de Estado”; e “acredita que tinham a intenção de retirar o depoente do Comando do Exército”.
Questionado se chegou a receber as mensagens, Freire Gomes responderia que “recebia ataques pelas mídias sociais, principalmente por meio da pessoa de PAULO FIGUEIREDO”.

“INDAGADO se chegou a enfrentar manifestações em frente à sua residência/condomínio no dia 14.12.2022 ou em outras datas, pelo fato de se negar a anuir com a proposta de Golpe de Estado, respondeu QUE sempre havia manifestações em frente à residência do depoente”, mas que “infelizmente só tomou conhecimento” da atuação de Braga Netto “com a divulgação da investigação”, diz o relatório.

Baptista Jr. também confirmaria à PF a reunião do dia 14 e seu conteúdo.

Diria também que, quando “o então Ministro da Defesa, PAULO SERGIO DE OLIVEIRA, disse aos Comandantes que teria uma minuta, que gostaria de apresentar aos Comandantes para conhecimento e revisão”, ele “questionou o Ministro da seguinte forma”:

Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?

Baptista Jr. relataria ainda “QUE PAULO SERGIO DE OLIVEIRA ficou calado; QUE o depoente entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito; QUE, diante disso, o depoente disse ao Ministro da Defesa que não admitiria sequer receber esse documento; QUE a Força Aérea não admitiria tal hipótese (Golpe de Estado); QUE o General FREIRE GOMES expressou que também não concordaria com a possibilidade de analisar o conteúdo da minuta; QUE o depoente, em seguida, retirou-se da sala; QUE a minuta estava sobre a mesa do Ministro da Defesa PAULO SERGIO DE OLIVEIRA”.

E também: “QUE o Almirante GARNIER não expressou qualquer reação contrária ao conteúdo da minuta, enquanto o depoente esteve na sala; QUE após tal fato, o depoente começou a receber ataques por meio das redes sociais, recebendo o rótulo de ‘melancia’, ‘traidor da pátria’ etc.; QUE após as eleições de 2022 começou a receber ataques do comentarista PAULO FIGUEIREDO nas redes sociais, dentre outros”.

15 de dezembro de 2022

Integrantes do grupo “Copa 2022” se posicionam em pontos estratégicos de Brasília, incluindo a região próxima à casa de Moraes, monitorando sua movimentação em tempo real.

As mensagens trocadas entre eles, segundo a PF, “demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o Ministro ALEXANDRE DE MORAES”.

O plano chega a ser iniciado, mas é abortado, após o adiamento de uma sessão do STF que votaria o orçamento secreto.

Minutos após a notícia ser compartilhada no grupo de planejamento da ação, o grupo se desmobiliza e inicia a “exfiltração”, jargão do Exército para a técnica de retirar forças de modo sigiloso do território inimigo.

No mesmo dia 15, o comandante da Marinha, Almir Garnier, que, segundo Baptista Jr., topou colocar as tropas à disposição de Bolsonaro, discursa com voz embargada, lamentando nem sempre conseguirem fazer o que querem, mas diz que “a manobra de tempestade” vai levar “ao porto seguro”, mesmo que demore “um pouco mais”.
Eis o trecho principal de sua fala em cerimônia de encerramento dos cursos do Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC), na formatura de quase mil fuzileiros navais, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro:

Mas todos nós queremos líderes justos, líderes coerentes. Nós não queremos líderes frouxos, não queremos líderes bonzinhos, não queremos líderes tiranos. Nem sempre conseguimos fazer tudo o que queremos. Muitas vezes queremos navegar em direção ao porto seguro em linha reta, mas a tempestade nos impede e nós temos que navegar de acordo com o que aprendemos a navegar para contornar furacões, a fim de não perder o nosso barco, de não colocar em risco nossa tripulação. Mas saibam, senhores, que a manobra de tempestade guinará novamente o barco em direção ao porto seguro que queremos e lá chegaremos. Pode demorar um pouco mais, mas chegaremos”, diz Almir Garnier.

Ainda no dia 15, o general Walter Braga Netto orienta o capitão reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros a infernizar a vida de Carlos Baptista Jr. e da família dele, após o então comandante da Aeronáutica ter se recusado a aderir a um golpe de Estado.

Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado na mordomia. Negociando favores. Dai [sic] para frente. Inferniza a vida dele e da família.”

A mensagem de Braga Netto seria identificada pela PF no telefone celular de Ailton, em meio ao diálogo realizado entre ambos nesta data.

O general também orienta o destinatário a elogiar Almir Garnier.

Considerando que o diálogo ocorre no dia 15, após a reunião do dia 7, no Palácio do Alvorada, e após a reunião do dia 14, no Ministério da Defesa, a PF indagaria a Baptista Jr. se a determinação de Braga Netto se deve aos posicionamentos (diferentes) dos então comandantes da Aeronáutica e da Marinha no contexto de tentativa de golpe de Estado.

Baptista Jr. “respondeu que sim”, registraria o relatório. No caso dele, “que se deve ao fato de não ter aderido à tentativa de golpe” e “que não negociou nenhum favor com qualquer pessoa”.

Confirmaria também que ele e sua família sofreram diversos ataques, pressões e hostilidades de apoiadores de Bolsonaro visando mudar sua opinião sobre o tema, como veremos adiante, no tópico do dia 29.

A PF ainda apresentaria a Baptista Jr. ataques que foram disparados a partir do telefone do próprio Braga Netto, “na rede social WhatsApp, contra a honra e dignidade do depoente”.

16 de dezembro de 2022

Carlos Baptista Jr. deixa Augusto Heleno “atônito” ao solicitar que o general reafirme a Bolsonaro que ele não anuirá com qualquer movimento de ruptura democrática.

O diálogo, que seria narrado por Baptista Jr. à PF, ocorre em São José dos Campos/SP, onde ambos participam da formatura de graduação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).

Após a conclusão da cerimônia, Heleno indaga ao comandante da Aeronáutica se poderia disponibilizar uma vaga no avião de apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), pois o então chefe do GSI foi acionado por Bolsonaro para reunião de urgência no dia 17 (sábado), em Brasilia/DF.

Baptista Jr. indaga a Heleno se ponderou ao então presidente que estava participando da formatura de seu neto, uma ocasião especial. Heleno diz que sim e que, mesmo assim, a ordem é para voltar a Brasília/DF.

Diante da conjuntura, Baptista Jr. estranha o fato de a reunião ocorrer no fim de semana e com urgência, então chama Heleno para uma sala reservada nas instalações do ITA, onde então afirma “de forma categórica” ao general que a FAB não anuirá “com qualquer movimento de ruptura democrática”.

Por não ter sido convidado para a referida reunião, solicita a Heleno que reafirme ao então presidente a posição dele e da Aeronáutica.

Baptista Jr. relataria à PF que “Heleno ficou atônito e desconversou sobre o assunto”; que, pilotando a aeronave, levou o general no mesmo dia 16 de volta para Brasília/DF; e “que não tocou mais no assunto” com ele.

19 de dezembro de 2022

Em postagem no X, Ailton Gonçalves Moraes Barros acusa militares como Freire Gomes de “omissos, covardes e fracos“.

Ele marca um perfil com nome semelhante, mas que Freire Gomes diria à PF não ser dele.

Na publicação, marca também Bolsonaro e outros blogueiros que aderiram ao bolsonarismo, como Paulo Figueiredo.

29 de dezembro de 2022

O filho de Baptista Jr. publica um tuíte em homenagem ao pai, pois seria seu último dia como comandante da Força Aérea Brasileira.

O pai responde ao filho, mas é “hostilizado por usuários da rede social no sentido de que o depoente tivesse traído o povo brasileiro por não ter aderido à tentativa de golpe de Estado”, como registraria a PF sobre seu depoimento.

Baptista Jr., então, publica um tuíte respondendo aos ataques:

O POVO BRASILEIRO, de 210 milhões de pessoas, nos quais eu e minha família estamos incluídos? Continuaremos trabalhando, aprendendo com nossos erros e acertos e evoluindo social e politicamente, com base nos princípios democráticos: liberdade e respeito à opinião da maioria.

Após essa publicação, como Baptista Jr. contaria à PF, ele “recebe milhares de ataques virtuais, sendo obrigado a suspender os comentários e, posteriormente, sua conta pessoal”.

Baptista Jr. relataria que, até o dia 30 de dezembro, “continuou recebendo ataques e pedidos pelas redes sociais para que a FAB anuísse com a ruptura democrática”.

30 de dezembro de 2022

Freire Gomes vai “até o Palácio do Alvorada para entregar ao então Presidente JAIR BOLSONARO/O convite de passagem de comando”, como relataria à PF.

QUE foi acompanhado dos Generais THEÓPHILO e NEGRAES, que estavam disponíveis no momento; QUE praticou tal ato para prestigiar as autoridades que nomearam o depoente e propiciar ao novo Comandante do Exército e ao novo Ministro da Defesa que tomassem as medidas que entendessem pertinentes em relação à posse do novo Presidente da República; QUE tal ato caracterizou a transição institucional dentro dos preceitos legais; QUE foi a ultima vez que teve contato com o então Presidente da República JAIR BOLSONARO”, diz o relatório.

No mesmo dia, em sua Live de despedida do Brasil antes de decolar para a Flórida, o ainda presidente Bolsonaro cita a posse de Lula que ocorreria dois dias depois, afirmando que buscou “uma saída” (pretensamente legal) “para isso aí“, “se tinha uma alternativa para isso“, mas que, para “certa medida“, “tem que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições“.
Bolsonaro diz que “em nenhum momento fui procurado para fazer nada de errado, violentando seja o que for”, o que é falso, como mostram até as falas em reuniões ministeriais sobre virada de mesa, além das propostas de Eduardo Pazuello, entre outras. Bolsonaro não só foi procurado, como também procurou outras pessoas, como ilustram suas reuniões com os comandantes das Forças Armadas.
Eis a fala de Bolsonaro, justificando-se à ala de seus apoiadores que queria um golpe:

São 30 de dezembro, está prevista a posse em 1° de janeiro. Eu busquei dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeitando a Constituição, uma saída para isso aí, se tinha uma alternativa para isso, se a gente podia questionar alguma coisa ou não questionar alguma coisa, tudo dentro das quatro linhas.

E sei que tem muita gente que me critica quando eu falo quatro linhas, mas eu não saí ao longo de quatro mandatos meus das quatro linhas porque ou vivemos a democracia ou não vivemos. Ninguém quer uma aventura. Agora muitas vezes dentro até das quatro linhas você tem que ter apoio.
Alguns acham que é o ‘pega a BIC e assine’, ‘faça isso’, ‘faça aquilo’, ‘está tudo resolvido’, e repito: em nenhum momento fui procurado para fazer nada de errado, violentando seja o que for. Eu entendo que eu fiz a minha parte, estou fazendo até hoje a minha parte. Hoje são 30 de dezembro, até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas.
Agora, certa medida tem que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições. A gente não pode acusar apenas um lado, ou acusar a mim. Você que quer resolver o assunto por vezes, você pode até ter razão, mas o caminho não é fácil.
Bolsonaro, em suma, buscou apoio para consumar um golpe de Estado travestido de medida constitucional, mas não conseguiu.

Com suas falas inconsequentes ou ambíguas, com suas omissões diante do reacionarismo aloprado em seu entorno e com suas ações em “pétit comité” nos bastidores, Bolsonaro alimentou a “Rataria”, inclusive a do vice de sua chapa, até sentir que poderia ser preso por Freire Gomes caso levasse o plano adiante.

Entre a ameaça de ser preso imediatamente pelo Exército e a hipótese de ser preso no futuro pelo STF, preferiu a segunda opção e decidiu buscar refúgio nos Estados Unidos em seus primeiros meses sem foro privilegiado, por temor de que a eventual prisão fosse antecipada.

A PF ainda identificaria em notebook de Mauro Cid um plano de fuga de 2021 e afirmaria que, “apesar de não empregado” naquele ano, ele “foi adaptado e utilizado no final do ano de 2022”, em referência à viagem de Bolsonaro para Orlando, “quando a organização criminosa não obteve êxito na consumação do golpe”.

8 de janeiro de 2023

Uma horda de ativistas frustrados com a não adesão das Forças Armadas a um golpe de Estado invade os prédios dos Três Poderes e depreda patrimônios públicos.

Esses são os fatos.

A discussão jurídica sobre a responsabilidade penal de cada um dos 37 indiciados, inclusive de Bolsonaro, é tema para outros artigos.

Por Felipe Moura bRasil – O ANTAGONISTA

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