Por Vinícius Sales – Por Juliet Manfrin
Ao admitir publicamente que aceitaria disputar a Presidência da República em 2026, se essa for uma “missão dada pelo pai”, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) levantou um dilema para a oposição. Ao mesmo tempo em que pode unir a direita em torno de uma candidatura fortalecida pelas críticas ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, Eduardo provavelmente teria que fazer campanha fora do Brasil, e ainda correria o risco de ser julgado e condenado à distância.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou como “terrorismo” o trabalho político que Eduardo Bolsonaro vem realizando há cerca de dois meses nos Estados Unidos para tentar convencer o governo de Donald Trump a aplicar sanções contra Moraes por abuso de direitos humanos.
“Lamentável é que um deputado brasileiro, filho do ex-presidente, está lá para convocar os Estados Unidos a se meter na política interna do Brasil. É isso que é grave. Isso que é uma “prática terrorista”. Renuncia ao seu mandato, pede licença do mandato para ir ficar tentando lamber as botas do Trump e de assessor do Trump pedindo intervenção na política brasileira. Não é possível aceitar isso”, disse Lula nesta terça-feira (3).
As críticas de Lula ajudam Eduardo Bolsonaro a fortalecer sua eventual candidatura entre a oposição. A declaração de que aceitaria entrar na disputa presidencial foi feita por ele em entrevista à revista Veja no sábado (31) e não foi confirmada nem negada por seu pai, Jair Bolsonaro. Esse cenário ajuda a direcionar o debate político na direita, funcionando como válvula de escape para a pressão que hoje recai sobre o ex-presidente para apontar um sucessor político, por conta de sua inelegibilidade.
“Ele pode ser uma espécie de linha de frente, ajudando a manter a base direitista mobilizada e dividindo as atenções que estariam exclusivamente sobre o ex-presidente”, afirma o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte. Além disso, o alinhamento com os valores conservadores também seria um ativo importante para dialogar com a base de seu pai.
Outro fator de força para Eduardo Bolsonaro é a possibilidade de se beneficiar politicamente de uma eventual sanção contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ela pode variar da negação do visto de entrada em território americano à expulsão completa do acesso ao sistema financeiro global por parte do ministro, por meio da aplicação da Lei Global Magnitsky, que prevê punições para empresas que operem nos Estados Unidos e façam negócios com indivíduos enquadrados na lei. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou recentemente que o assunto está sendo analisado.
Nesse contexto, Cerqueira aponta que Eduardo Bolsonaro passou a ser visto como uma figura valorizada pelo governo americano e que esse prestígio pode impactar na política interna.
“O fato de o governo americano estar respondendo positivamente à demanda trazida por Eduardo mostrou o prestígio de força política dele para o mundo de Brasília”, afirmou o analista.
Campanha no exterior pode atrapalhar Eduardo Bolsonaro
Apesar dos pontos positivos, uma possível candidatura de Eduardo Bolsonaro enfrenta desafios significativos. Por estar atualmente em autoexílio nos Estados Unidos, ele teria de conduzir sua campanha à distância.
Isso porque, em tese, Eduardo pode ter prisão preventiva decretada com base em uma investigação solicitada pelo STF à Polícia Federal. Nela, as atividades do deputado licenciado nos Estados Unidos podem ser classificadas como crimes de obstrução de investigação de organização criminosa, coação no curso do processo e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
“Se [Eduardo Bolsonaro] se candidatar e permanecer nos Estados Unidos, teria problemas em fazer sua campanha eleitoral no corpo a corpo. Se voltar, ele pode ser preso”, analisa o sociólogo Marcelo Almeida. Ele opina que o mais provável é que Eduardo se mantenha no exterior mesmo lançando sua candidatura.
Sem presença física em atos políticos e eventos importantes no Brasil, Eduardo teria menos contato com o eleitorado do que seus concorrentes e precisaria ser representado por aliados nos palanques. Esse contato poderia ser parcialmente substituído pela presença nas redes sociais, mas, como não há situação histórica semelhante, é difícil para os analistas estimarem a efetividade da estratégia.
Eduardo Bolsonaro pode se candidatar mesmo estando fora do país
Governistas também podem tentar questionar na Justiça a legitimidade da candidatura de um político que mora temporariamente nos Estados Unidos.
O constitucionalista André Marsiglia destaca que é possível se candidatar estando fora do país, desde que o interessado seja filiado a um partido político brasileiro e tenha domicílio eleitoral regularmente registrado na Justiça Eleitoral. Ele poderia até votar em uma seção eleitoral no exterior, no entanto, se eleito, para ser diplomado e exercer o cargo seria necessário retornar ao Brasil.
Para o advogado e analista político Luiz Augusto Módolo, a Justiça Eleitoral costuma adotar uma interpretação flexível do conceito de domicílio eleitoral, levando em consideração situações em que o eleitor atua politicamente, possui negócios, familiares, propriedades ou desenvolve atividades profissionais, mesmo que não resida cotidiana ou temporariamente ali.
“Mesmo que juridicamente não haja impedimento, uma candidatura conduzida do exterior é vulnerável a ataques de adversários e a uma possível judicialização que pode travar a campanha”, avalia o especialista em Direito Político e Eleitoral Marcio Berti.
Ainda que o conceito de domicílio eleitoral seja mais amplo que a simples residência, eventuais contestações judiciais poderiam usar o argumento da ausência prolongada como estratégia para questionar sua legitimidade.
Retorno ao Brasil pode resultar em prisão preventiva, alerta jurista
André Marsiglia também acredita que, em razão do inquérito aberto contra Eduardo Bolsonaro na semana passada, exista, em tese, a possibilidade de ser decretada inclusive a prisão preventiva do deputado licenciado, caso ele retorne ao país.
O inquérito é baseado na alegação de que o deputado teria cometido ilícitos que poderiam ser interpretados como ainda em andamento, o que justificaria a eventual prisão preventiva.
Se isso ocorresse poderia não apenas impedi-lo de exercer o restante da sua função legislativa, mas, por consequência, levar à cassação do mandato de deputado, diante da impossibilidade de sua continuidade no exercício parlamentar.
Almeida completa o raciocínio e reconhece que a candidatura em 2026 poderia ainda ser barrada por uma condenação. “Como as investigações sobre o suposto golpe ocorrem a toque de caixa, não seria de se surpreender que o mesmo ocorresse com o inquérito recém-aberto contra ele no STF. Isso poderia resultar na perda dos direitos políticos, tirá-lo da corrida eleitoral ano que vem e talvez da cena política por anos”.
Transferência de votos seria desafio para uma candidatura de Eduardo
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), mesmo sendo filho do ex-presidente, uma candidatura de Eduardo enfrentaria o desafio da transferência de votos. Mesmo crescendo politicamente com a articulação internacional, o analista avalia que isso não se traduz automaticamente em ativo político eleitoral.
“Podemos dizer que Eduardo Bolsonaro se cacifou, aumentou a sua capacidade de articulação. Mas ainda é preciso esperar um pouco mais para saber qual é a verdadeira capacidade política eleitoral dele como candidato recebendo transferência de votos do pai.”
Pesquisas recentes apontam o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como um nome mais competitivo contra Lula em um eventual segundo turno em 2026.
Segundo levantamento do instituto Gerp, divulgado em abril, Lula aparece com 29% das intenções de voto, contra 18% de Eduardo Bolsonaro. Já na pesquisa AtlasIntel, em maio, Tarcísio teria 49% das intenções de voto contra 47% de Lula — um cenário de empate técnico, mas ainda assim mais favorável que o de Eduardo.
Além de Tarcísio, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também desponta como alternativa forte. Na mesma pesquisa AtlasIntel, Michelle aparece com 49,8% das intenções de voto contra 45,3% de Lula — um desempenho superior até ao de Jair Bolsonaro. Essas pesquisas foram realizadas antes da entrevista de Eduardo à Veja.
Deputados do PL ouvidos reservadamente avaliam que, apesar de ser filho do ex-presidente, Eduardo Bolsonaro ainda enfrenta resistência de setores do eleitorado moderado, considerados decisivos em uma disputa presidencial.
O levantamento do instituto Gerp foi realizado entre os dias 21 e 25 de abril de 2025, com 2.000 eleitores. A margem de erro é de 2,24 pontos percentuais, para mais ou para menos, com um grau de confiança de 95,55%.
A pesquisa da AtlasIntel, Latam Pulse e Bloomberg teve os dados coletados de 19 a 23 de maio de 2025. Foram entrevistadas via questionários on-line 4.399 pessoas. A margem de erro é de 1 ponto percentual, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%.
Gazeta do Povo