A desoneração da folha de pagamentos aprovada pelo Congresso acirra divergências entre Banco Central e ministério
O déficit nas contas do governo é R$ 40 bilhões maior do que o valor anunciado pelo Ministério da Fazenda, conforme informações do Banco Central (BC). O projeto de “desoneração da folha de pagamentos”, que recebeu a aprovação do Congresso e suporte do governo, intensifica as discrepâncias entre a instituição e o departamento sobre o “déficit fiscal”.
A proposta de desoneração, que está pendente da aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), habilita o Tesouro Nacional a registrar como receita primária somas esquecidas em contas de instituições financeiras. Isso acrescenta R$ 8,6 bilhões à reserva do governo, entretanto, o BC não leva em conta esse montante na computação do resultado primário, responsabilidade que foi designada ao banco pelo estrutura fiscal.
BC e Fazenda divergem nas metodologias
O cálculo do resultado primário sempre foi feito usando metodologias distintas pelo Banco Central e Tesouro. Contudo, essa discrepância, que antes era mínima, cresceu consideravelmente. Até o mês de julho, o déficit determinado pelo Banco Central era de R$ 39,7 bilhões a mais do que o apurado pela Fazenda.
Ao ajustar pela inflação, a discrepância atinge R$ 41,1 bilhões, sendo a maior já registrada, conforme relatado ao jornal O Estado de S. Paulo pelo economista-chefe da Tullett Prebon Brasil, Fernando Montero. O Tesouro não se pronunciou sobre o tema.
A maior parte dessa discrepância é atribuída aos R$ 26 bilhões que os trabalhadores deixaram nas cotas do PIS/Pasep, que foram incorporados pelo Tesouro em setembro do ano anterior. Naquele momento, o governo incluiu essa soma no resultado primário. Essa ação melhorou as estatísticas fiscais de 2023 com o apoio do Congresso, através da “PEC da Transição”, que foi aprovada no fim de 2022.
Impacto das metodologias nas contas públicas
No entanto, o Banco Central não registrou esses valores como “receita primária”, resultando em uma diferença considerável nos números apresentados pelos dois órgãos. A discrepância também abrange cerca de R$ 8 bilhões de “ajuste metodológico” relacionado às compensações para os estados pela diminuição do ICMS e desacordos estatísticos mensais, que sempre ocorreram.
Gabriel Barros, economista-chefe da ARX Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), expressou ao Estadão que isto “Cria um problema grande de apuração (da meta) e de credibilidade sobre o conjunto de regras fiscais que a gente tem”. Ele explicou que o resultado primário é calculado considerando a diferença entre as receitas e despesas, sem levar em conta os juros da dívida pública.
A Relevância do Resultado Primário na Conquista da Meta Fiscal
Este valor estabelece se o governo finalizou o ano com superávit ou déficit, e se atingiu ou não o objetivo definido pela “equipe econômica”.
“O (resultado) primário serve para avaliar como está sendo o desempenho da administração pública para conseguir reduzir a sua dívida a partir da política fiscal, se (ela) está sendo expansionista demais, contracionista demais, se está investindo nos lugares certos”, ressalta João Pedro Leme, analista da consultoria Tendências.
Adicionalmente à amplificação da incerteza em relação às contas públicas, os especialistas ressaltam que a Fazenda, ao manter seu número de primário, está em contradição com a lei do “arcabouço fiscal”, a qual delega ao Banco Central a tarefa de calcular a meta. Isso poderia colocar o Tribunal de Contas da União (TCU) no foco da discussão, com a finalidade de mediar a situação.
“Fica uma dúvida gigante, pois ninguém sabe como vai ser apurado (o resultado primário); Certamente, o TCU vai ter de entrar na jogada”, avaliou Barros. “Criaram um imbróglio jurídico, de como vai ser feita a apuração. O arcabouço diz claramente que o cumprimento é feito pelo dado divulgado pelo Banco Central”.
O TCU informou ao Estadão que ainda não “examinou formalmente” a aprovação do projeto de lei da desoneração, mas ponderou que a questão “poderá ser analisada futuramente, seja por provocação ou por iniciativa do tribunal durante os trabalhos de acompanhamento da gestão fiscal”.
A ênfase da corte também reside na garantia de que não apenas a legislação em vigor seja cumprida, mas também sejam adotadas “boas práticas de contabilidade pública e estatísticas fiscais”, de acordo com padrões aceitos internacionalmente. Se necessário, o tribunal estabelecerá procedimentos para comunicar a questão ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo. As informações são da Revista Oeste.