Depois de anos promovendo censura, “progressistas” querem liberdade de expressão para funkeiro

Ao ser preso na última quinta-feira, o próprio funkeiro Marlon Brandon “MC Poze” Couto Silva marcou em um formulário da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio que se identifica com a “ideologia” do Comando Vermelho (CV). A intenção do convite à autodeclaração dos presos é evitar assassinatos por gangues rivais.

O motivo da prisão não teria sido somente “apologia” ao crime, mas possível envolvimento com as atividades criminosas do CV e lavagem de dinheiro para o grupo, como disse na sexta-feira, no programa Alive de Claudio Dantas, o deputado estadual fluminense Alexandre Knoploch (PL). Para o parlamentar, a acusação de lavagem de dinheiro foi o principal motivo da prisão, não a apologia.

A própria Polícia Civil, contudo, convidou à interpretação de que a prisão tem algo a ver com as expressões do funkeiro, pois disse ao divulgar vídeos do momento da prisão, no Instagram, que sua intenção é dar um “recado” para “aqueles que romantizam e ajudam a disseminar a narcocultura”.

A apologia ao crime como motivação de intervenção do Estado no que os cidadãos são livres para expressar tem sido um tema controverso há décadas para juristas brasileiros. A Constituição diz que “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização”. Como mostrou o programa, contudo, a ressalva “sem armas” não se aplica aos shows do MC Poze.

Defensores do funkeiro na esquerda, como as deputadas Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Erika Hilton (PSOL-SP), têm optado pela alegação de que a prisão foi um caso de censura contra uma expressão artística e cultural da favela. “Onde está a extrema direita para defender a liberdade de expressão de MC Poze?”, provocou no X o jornalista Ricardo Noblat.

Mas há um grande problema de trave nos olhos do “progressismo”. Veio justamente da esquerda “progressista” e identitária a principal força pela censura de músicas nos últimos anos. Lembre abaixo o retorno do “cálice”.

Exemplos de censura recente promovida pela esquerda contra músicas

Há dez anos, foi justamente o funk um dos estilos musicais alvo da sanha de censura da turma da lacração. O Grupo Gay da Bahia (GGB), famoso por suas estatísticas falsas anuais de mortos por homofobia no Brasil, ajuizou uma notícia-crime no Ministério Público baiano contra o cantor Robyssão por “incitação ao preconceito e homofobia”. O motivo? A música de “pagofunk” falava de um homem que ganha presentes de outro homem em troca de favores sexuais, em linguagem chula.

No mesmo ano de 2015, o decano do axé, Bell Marques — cujo show teve a presença de Luís Roberto Barroso no mês passado — também virou alvo da “turma do bem” por causa da marchinha “Cabelo de Chapinha”, em que apareciam os termos “minha nega” e “seu nego” — horror dos horrores! Também denunciando ao MP-BA, o músico teve que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta e modificou a letra da música. “Minha nega”, um muito brasileiro termo de afeto, teve que ser trocado para “minha deusa”.

Marchinhas clássicas de Carnaval como “Índio quer apito”, “O teu cabelo não nega”, “Cabeleira do Zezé” e “Maria Sapatão”, cuja irreverência era proposital, também foram banidas de blocos carnavalescos nos últimos anos, especialmente a partir de 2017.

Outro funkeiro alvo da censura woke foi MC Diguinho, em 2018. Os progressistas insistiram que sua música “Só surubinha de leve” era, o que soa irônico agora, uma apologia ao crime — no caso, estupro. A música foi removida do YouTube e do Spotify. Acuado, Diguinho emitiu um pedido de desculpas no Instagram e alterou a letra.

Uma das coisas que mais causam repulsa na esquerda progressista brasileira é qualquer saudosismo que alguém de direita expresse pelo Regime Militar. Mas é neste grupo político que a censura ao estilo daquela época sobre a arte mais acontece hoje, a ponto de os alvos às vezes serem os mesmos.

Por exemplo, Chico Buarque. Foi alvo tanto da censura do passado quanto da censura contemporânea. Em 2022, o compositor e cantor confessou que não vai tocar mais seu samba-enredo de 1967, “Com açúcar, com afeto”, que narra o sofrimento de uma dona de casa submissa, por causa de pressão de movimentos feministas. A diferença é que, se antes o Estado censurava Chico, agora Chico censura a si mesmo para escapar da fúria woke.

E essa fúria não parece ter se acalmado. Claudia Leitte está denunciada ao Ministério Público, mais uma vez da Bahia, por ter trocado na letra da música “Caranguejo” o nome de Iemanjá por “meu rei Yeshua”, ou seja, Jesus. A acusação hiperbólica é que a cantora cristã teria cometido “racismo religioso”. Leitte já cedeu, se comprometendo a não mais fazer a alteração.

Se você achava que é só a suposta proteção a negros que motiva a censura, errou. O cantor Gabriel, o Pensador, há anos se comprometeu a nunca mais cantar “Lôra Burra” (1993). Ele tentou emplacar uma versão modificada da música em 2019.

As músicas sertanejas, vistas com desconfiança por sua associação ao agronegócio, são um alvo especial. A dupla Pedro Motta & Henrique, em 2020, pediu desculpas por sua música “Lili”, em que o eu lírico dizia que o amor de sua vida era “um travesti”. Não só eles alteraram a letra, como colocaram uma atriz transexual no clipe da nova versão.

Um exemplo do início da onda do identitarismo foi a pressão sobre a dupla João Carreiro & Capataz, em 2012, por causa da música “Bruto, Rústico e Sistemático”, em que o eu lírico expressava repulsa por ver “dois homens se acariciando”. A dupla teve que se reunir com a Defensoria Pública e emitiu uma retratação pública.

Este ano, a dupla Maiara & Maraisa deu um sumiço na música “Borderline”, cuja letra tentava dar conselhos de relacionamento a uma portadora imaginária do transtorno de mesmo nome, após ameaça de denúncia ao Ministério Público. A autocensura fez o trabalho dos militantes, mais uma vez.

A saída para a incoerência é a mesma liberdade para todos

A minha intenção, aqui, não é só acusar a esquerda de hipocrisia. No horizonte, gostaria que mais pessoas no Brasil, independentemente de sua posição no espectro político, concordassem que é melhor errar favorecendo a liberdade do que errar favorecendo a censura, deixando a expressão maximamente livre. De preferência no mesmo nível que o da Primeira Emenda dos Estados Unidos e a jurisprudência associada. Mas, para isso, vão ter que abandonar sua obsessão de criminalizar “desinformação” e “discurso de ódio”.

Um grande obstáculo para o florescimento da liberdade no Brasil é o analfabetismo político que prega que, se defendemos liberdade para uma certa expressão, então concordamos com o conteúdo da expressão. A diferença parece sutil demais para uma porção grande da população, para quem tolerar é endossar.

Enquanto essa educação não acontece, quem diz que a presença de armas em manifestações é vedada é a própria Constituição. E as imagens de fuzis nos shows dos funkeiros pró-CV não mentem. Como disse um leitor, os shows do MC Poze e seus colegas se parecem mais com comícios do Comando Vermelho.

Quanto à análise do conteúdo, à parte a liberdade para expressá-lo, o que é pior: “Ô mainha, mas eu só gosto do cabelo de chapinha, mainha” (Bell Marques, 2015) ou “Só [fuzil] AKzão na favela / Com vários pentão reserva / Aonde entrar, cês leva” (MC Poze do Rodo, 2019)?

Blog do Cláudio Dantas

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