Não é difícil de entender, ministro Barroso

Por Carlos Graieb – O Antagonista

Presidente do STF acha que há preconceito contra o relacionamento entre juízes e empresário. Errado: há desconfiança fundada na história

De tudo que poderia ter dito na retomada dos trabalhos do STF nesta quinta-feira (1), o presidente da Corte Luís Roberto Barroso escolheu defender a confraternização de ministros com lobistas de todo tipo de interesse.

“A crítica à participação de ministros em eventos nacionais ou internacionais organizados por empresários é preconceito contra a iniciativa privada e contra o empreendedorismo”, disse Barroso.

Ele reclamou de pessoas – como eu – que não acham conveniente que ministros participem de festanças em coberturas de Lisboa, brindando com gente que pode escapar da cadeia ou ganhar muito dinheiro com suas decisões.

O lamento dos jecas

Segundo Barroso, o espanto com os folguedos da Europa está mal colocado – dá para sentir pelo seu tom que ele acha que é coisa de jeca –, porque “todo mundo conversa o tempo todo, não precisa ir a Lisboa”.

E eu aqui, com meus hábitos provincianos, achando que a esbórnia era só no Gilmarpalooza. Obrigado pela informação, ministro.

Além de não saber direito como funcionam as coisas nas salinhas escuras de Brasília, confesso outra deficiência.

Fico intrigado com a dificuldade de ministros do STF – inclusive aqueles que realmente têm estofo intelectual para estar lá, que são gente letrada e cosmopolita, capaz de flanar por Lisboa e encontrar as melhores caves, charutarias e restaurantes sem precisar de mapinha turístico – em compreenderem a importância de que sejam vistos como figuras independentes e não como integrantes da patota.

Afinal, o bordão sobre a mulher de César circula há mais de 2.000 anos.

Lobby

Tenho aqui na minha frente um livro chamado Lobby Desvendado – Democracia, Políticas Públicas e Corrupção no Brasil Contemporâneo. Trata-se de uma coletânea de artigos. Em meio à variedade de contribuições, uma tese emerge com clareza: para evitar a demonização do lobby, o melhor a fazer é dotá-lo de regras e torná-lo transparente.

A advocacia de interesses sempre existiu, sempre existirá e é uma prática legítima, desde que seja advocacia de fato e não compra de influência, em qualquer das suas modalidades: com dinheirão, dinheirinho, presentinhos, favores, bajulação, cargos para familiares e apaniguados.

Barroso acha que os brasileiros se incomodam quando autoridades públicas se põem em situação de promiscuidade com empresários porque têm preconceito contra a iniciativa privada. Está errado de duas maneiras.

O inferninho e suas filiais

Não é preconceito, é desconfiança baseada na experiência e na história.

E não, Barroso, essa desconfiança não se limita a certo tipo de empresário – aquele que sabe abrir caminhos em Brasília para se transformar em um “campeão nacional”.

Arrisco-me a dizer que a maior parte dela, e a mais amarga, se dirige às autoridades públicas que participam alegre e espevitadamente do baile do lobby, nesse inferninho à meia luz que é o Planalto (hoje com filiais em diversos países).

São essas autoridades, e não os empresários, que assumiram compromisso com o interesse coletivo.

O fim da paciência

No prefácio do livro sobre lobby, o economista Marcos Lisboa aponta o motivo do desconforto e do fim da paciência com esse tipo de comportamento.

Diz Lisboa: “Grupos de pressão e tratamento especial existem nos demais países. O que surpreende no Brasil é a sua extensão, que se traduz na complexidade das regras tributárias, de comércio exterior ou de acesso ao crédito. Durante muitos anos, a sociedade tratou com surpreendente naturalidade a distribuição de benefícios e proteções discricionárias a grupos organizados por parte do poder público.”

Francamente, não deveria ser difícil de entender. Sobretudo para magistrados que usam a linguagem elevada dos princípios constitucionais no seu dia a dia.

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