A omissão do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que ao renovar uma parceria não informou ao INSS que um de seus dirigentes era José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem potencial para incriminar vários envolvidos. Dirigentes e até Frei Chico poderiam ser acusados de falsidade ideológica e o sindicato obrigado a pagar altas multas, ficar impedido de fazer parcerias com o governo e até ser fechado.
O caso foi revelado na semana passada (10), quando o relator da CPMI do INSS, Alfredo Gaspar (União-AL), mostrou uma fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a documentação enviada pelo Sindnapi ao INSS para renovar uma parceira que possibilitava descontar valores da aposentadoria de filiados – o sindicato é investigado por descontos não autorizados.
A CGU descobriu que, ao não revelar que José Ferreira da Silva, o Frei Chico, era vice-presidente da entidade, quando o acordo foi assinado em 2023, o Sindnapi induziu servidores do INSS a erro ao aprovar a parceria. Isso porque a lei sobre esse tipo de acordo proíbe a parceria quando o dirigente da entidade é parente de uma autoridade que tem ascendência sobre o órgão público – caso de Frei Chico e Lula.
Trata-se da lei 13.019/2014, que regulamenta as parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação.
O artigo 39 impede entidades civis de celebrar parcerias quando um de seus dirigentes for uma autoridade da mesma esfera governamental na qual haverá a colaboração, “estendendo-se a vedação aos respectivos cônjuges ou companheiros, bem como parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau”. Em outras palavras, a organização não pode ter um dirigente que seja irmão de uma autoridade.
Em junho de 2023, quando renovou o acordo com o INSS para efetuar descontos em aposentadorias de filiados, o Sindnapi declarou ao INSS que seus dirigentes “não incorrem em quaisquer das vedações previstas no artigo 39, da Lei Federal nº 13.019/2014”. Na época, Frei Chico era diretor nacional de Representação dos Aposentados Anistiados. Hoje, José Ferreira da Silva é vice-presidente do Sindnapi.
Se uma investigação criminal provar que a declaração foi elaborada de forma proposital para viabilizar a parceria, evitando que ela fosse negada pelo INSS em razão da relação de parentesco entre Frei Chico e Lula, fica configurado o crime de falsidade ideológica.
O crime consiste no ato de “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. A pena é de de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, como é o caso.
Responde pelo crime quem assina o documento – no caso, o presidente do Sindnapi, Milton Baptista de Souza Filho – em audiência nesta quinta na CPMI, ele optou pelo silêncio e não respondeu aos questionamentos dos parlamentares.
Frei Chico também poderia ser responsabilizado, pelo mesmo crime, se for comprovada sua participação na elaboração da declaração ao INSS.
A fiscalização da CGU diz que ao “apresentar declaração inverídica com o intuito de atender aos requisitos legais”, o Sindnapi não só “violou disposições expressas da Lei n.º 13.019/2014, como também comprometeu de forma grave a lisura do processo de análise e habilitação institucional”.
“Ao omitir o vínculo de parentesco direto entre um de seus dirigentes e o Presidente da República, o sindicato criou um ambiente de aparente regularidade que induziu os órgãos públicos a erro, dificultando a verificação objetiva do cumprimento dos critérios legais”, diz ainda a CGU.
Além de resultar em uma eventual investigação criminal de Frei Chico, a descoberta da CGU pode dar a parlamentares da CPMI no INSS o argumento que precisam para convocar o irmão de Lula para prestar depoimento. A base de parlamentares governistas quer evitar essa hipótese a qualquer custo, para impedir qualquer tentativa de ligação da investigação a Lula. Por ora não está claro se os parlamentares opositores do governo terão votos suficientes para convocar Frei Chico na próxima quinta-feira (16). Outra possibilidade é que, mesmo convocado, ele obtenha um habeas corpus do STF para não ter que responder a perguntas na CPMI.
Sindnapi também pode sofrer punições
O mesmo documento da CGU enviado à CPMI diz que o Sindnapi, como pessoa jurídica, pode sofrer punições pela lei 12.846/2013. Conhecida como Lei Anticorrupção, ela pune empresas e outras organizações privadas por atos lesivos praticados contra a administração pública.
A grande inovação dessa lei é a possibilidade de responsabilizar empresas (ou sindicatos) que prejudiquem órgãos públicos de forma “objetiva”, ou seja, independentemente de dolo (intenção) ou culpa (erro causado por imperícia, imprudência ou negligência, por exemplo).
Assim, mesmo que os responsáveis pelo documento do Sindnapi não tenham omitido o nome de Frei Chico de maneira proposital, o sindicato pode ser punido com multa de até 20% do faturamento – essa punição pode ser aplicada pela própria CGU num processo administrativo (que tramita dentro do próprio órgão).
A CGU, no entanto, pode ir além e pedir a Justiça punições mais duras. Se considerar que o Sindnapi dificultou a fiscalização ao elaborar o documento com informação falsa, o órgão pode pedir quatro punições adicionais:
- perdimento dos valores obtidos por meio da infração;
- suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
- dissolução compulsória da pessoa jurídica; e
- proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos públicos, pelo prazo de 1 a 5 anos.
As investigações da Polícia Federal e da CGU sobre o Sindnapi mostram que, entre 2019 e 2024, o sindicato arrecadou R$ 259 milhões de seus filiados por meio de descontos.
O que diz a defesa do Sindnapi
Nesta quinta (9), após o Sindnapi sofrer busca e apreensão da PF, os advogados do sindicato afirmaram, em nota, ver com “surpresa” a operação, realizada na sede, em São Paulo, e na casa do presidente e de alguns diretores.
“Os advogados não tiveram acesso ao inquérito policial, ao conteúdo das razões da representação policial ou dos fundamentos da decisão que autorizou a deflagração da medida cautelar, mas reitera seu absoluto repúdio e indignação com quaisquer alegações de que foram praticados delitos em sua administração ou que foram realizados descontos indevidos de seus associados, diz a nota, assinada pela equipe do advogado Daniel Bialski.
“A exemplo do procedimento adotado nas demais demandas judiciais, o SINDNAPI comprovará a lisura e legalidade de sua atuação, sempre em prol de seus associados, garantindo-lhes a dignidade e respeito que são devidos”, diz ainda a nota.
Não houve manifestação sobre o documento descoberto pela CGU com a omissão do nome de Frei Chico encaminhado ao INSS para o acordo dos descontos.
Gazeta do povo